Maio Roxo: quais são as doenças inflamatórias intestinais
Doença de Crohn e retocolite ulcerativa não têm cura e predominam em jovens

No mundo inteiro, cerca de 10 milhões de pessoas convivem com doenças inflamatórias intestinais (DII). Entre as mais comuns estão a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, que costumam ter dois picos de manifestação: no final da adolescência e início da vida adulta, e a partir dos 50 anos.
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Considerados crônicos e autoimunes, ambos os quadros são destaques da campanha Maio Roxo, que busca conscientizar a sociedade sobre o diagnóstico e o tratamento, além de incentivar avanços na área que possam aprimorar a qualidade de vida dos pacientes.
A doença de Crohn caracteriza-se por acometer qualquer parte do tubo digestivo, da boca até o ânus, e ser uma condição transmural. “Isso quer dizer que a doença não fica restrita à parte interna do revestimento do tubo digestivo”, esclarece Zuleica Barrio Bortoli, gastroenterologista no Hospital Brasília. “Ela pode penetrar todas as paredes do tubo, dando alterações chamadas de estenose (estreitamento) e fístulas (perfuração)”, complementa.
Já a retocolite ulcerativa concentra-se especificamente no cólon, que fica no final do intestino grosso, e no reto. É uma doença de mucosa, ou seja, que afeta, por inflamação e ulceração, uma das camadas do intestino, não prejudicando toda a espessura da parede como faz uma doença transmural.
O que causa as DII?
Tanto a doença de Crohn como a retocolite ulcerativa são multifatoriais. Atualmente, a comunidade médica não sabe dizer a origem exata desses quadros. O que os profissionais enxergam é uma ligação com a alteração da microbiota intestinal (disbiose).
“A gente acredita que a doença base é uma desregulação da flora intestinal, que desencadeia alterações inflamatórias e imunológicas”, afirma Zuleica Bortoli. “Por isso, há uma produção de anticorpos que atacam a parede do intestino.”
E quando o assunto são os microrganismos que vivem no nosso intestino, precisamos falar da nossa dieta. “Deixar de comer alimentos mais naturais, sem muitos agrotóxicos, e ir para uma dieta extremamente industrializada, cheia de conservantes e produtos químicos, acaba colaborando para provocar a disbiose, e desencadear o quadro inflamatório”, explica Bortoli.
Como dissemos antes, a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa dependem de várias coisas para acontecer. Outro elemento de influência é a genética.
“Se a pessoa tem um caso familiar, ela pode estar predisposta a desenvolver”, diz Bortoli. “Mas é um conjunto de fatores que desencadeia, então não quer dizer necessariamente que ela vai ter a doença. Se tiver outros sintomas intestinais, a pessoa deve investigar”, recomenda.
Quais são os sintomas das DII?
A doença de Crohn e a retocolite ulcerativa têm sintomas similares. O principal indício é a dor abdominal, que pode estar associada a perda de peso, febre e diarreia com sangue. “São coisas crônicas, de longa data. Às vezes o paciente tem períodos de melhora e de piora”, observa Bortoli.
Um fator que pode diferenciar as duas DII é o quadro de obstrução característico da doença de Crohn. Como as úlceras são profundas, a cicatrização também é, o que pode resultar no “fechamento” de alguns pontos do intestino.
Há ainda manifestações extra-intestinais. As reumatológicas, por exemplo, podem causar dor, inchaço e calor nas articulações, jáoutras manifestações podem gerar problemas na pele (hidradenite supurativa, pioderma gangrenoso, psoríase) e nos olhos (uveíte, um tipo de alteração ocular).
Como as DII são diagnosticadas?
Em primeiro lugar, você deve valorizar eventuais sintomas. Não menospreze aquela dorzinha que passa com o tempo, e nem pense que ir frequentemente ao pronto-socorro tomar um analgésico é uma boa solução.
“A pessoa que tenha dor abdominal (mesmo que intermitente), quadro de diarreia (com sangue ou não) e distensão abdominal deve procurar um profissional”, orienta Bortoli.

Um gastroenterologista ou um proctologista são capacitados para fazer uma avaliação inicial. Com exames de sangue e de fezes, por exemplo, já é possível ver se há algum sinal de infecção ou processo inflamatório.
Após essa pequena triagem, é necessário recorrer a exames — como colonoscopias, endoscopias, tomografias e ressonâncias magnéticas — e coletas de biópsia para obter um diagnóstico preciso.
De que maneira as DII podem ser tratadas?
As formas de tratamento variam conforme o paciente, podendo ser combinadas. Mas, no geral, podem ser utilizados comprimidos orais anti-inflamatórios, corticoides (por um curto período de tempo, porque têm efeitos colaterais ruins a longo prazo), imunossupressores e imunobiológicos para reduzir os sintomas. Os medicamentos são, em sua maioria, de alto custo, e disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Como o tratamento é para controle, e não cura, o uso dos fármacos é contínuo por toda a vida. “A dose pode variar de acordo com a resposta terapêutica, mas retirar o medicamento é algo muito questionado”, explica Zuleica Bortoli. “Às vezes o paciente está há anos em remissão, então há um receio de tirar o remédio e abrir o quadro novamente”, diz a gastroenterologista.
Quando o tratamento clínico não consegue controlar os sintomas, uma cirurgia pode ser indicada, tanto para retocolite ulcerativa quanto para a doença de Crohn. esse último caso, a cirurgia também pode ser feita em decorrência de complicações como obstrução intestinal ou perfuração.
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Outra cirurgia realizada em pacientes com doenças inflamatórias intestinais é o transplante de intestino. É importante deixar claro, porém, que essa intervenção não é um tratamento.
Isso porque estamos falando de um problema do sistema imunológico. Se trocarmos o intestino do paciente pelo intestino do doador, o corpo do receptor vai continuar produzindo anticorpos para atacar o novo órgão.
“O transplante não é uma modalidade de tratamento para a maioria dessas doenças. Ele é usado como uma ferramenta nos casos em que há desenvolvimento da síndrome do intestino curto”, afirma Eduardo Fernandes, cirurgião especialista em transplante de órgãos do abdômen no Hospital São Lucas Copacabana, no Rio de Janeiro.
Os pacientes chegam nesse estágio quando várias partes afetadas do intestino vão sendo removidas ao longo do tempo, prejudicando uma das principais funções desse órgão: a absorção de nutrientes.
Mesmo assim, antes do transplante, há a opção de reabilitação intestinal: “Se o indivíduo estiver com 60 centímetros de intestino delgado, nós fazemos uma cirurgia para sanfonar o órgão e aumentar a área de absorção para 120 centímetros”, exemplifica Fernandes. “O transplante é para quem tem síndrome do intestino curto refratária à reabilitação”, conclui.
Embora sejam condições sérias, muitas vezes os pacientes com doença de Crohn e retocolite ulcerativa levam vidas normais. Para isso, é fundamental contar com profissionais especializados e experientes. “Muitos avanços ocorreram nos últimos dez anos, e só quem estuda diariamente sabe”, analisa Fernandes.
E o cirurgião reforça também que, além de contar com médicos especializados em doenças inflamatórias intestinais, é bom ter uma equipe multidisciplinar, apoiada por nutricionistas, nutrólogos, psiquiatras e psicólogos.