Pólio: caso suspeito está em investigação no Pará
Criança de 3 anos estava com imunização em atraso e teve sintomas após dose da vacina oral
A Secretaria Estadual de Saúde do Pará divulgou, no dia 5 de outubro, que investiga um caso suspeito de poliomielite no estado. A pasta declarou que o vírus foi encontrado nas fezes de uma criança de 3 anos que havia apresentado sintomas de Paralisia Flácida Aguda (PFA), um dos quadros que a doença pode causar.
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A suspeita, no entanto, é de que o caso esteja relacionado a um erro vacinal, já que a criança recebeu a vacina oral-bivalente [VOP, popularmente conhecida como a vacina da gotinha] sem estar em dia com as aplicações da VIP (vacina inativada contra a poliomielite), o que vai contra o esquema vacinal recomendado pelo Ministério da Saúde.
A secretaria não descarta que o problema tenha sido causado por outras doenças, como a Síndrome de Guillain Barré.
A notícia vem quase um mês depois de o estado de Nova York, nos Estados Unidos, ter declarado estado de emergência ao detectar o vírus da poliomielite no esgoto de três municípios.
A baixa cobertura vacinal e o crescente movimento anti-vacina no mundo tornaram o retorno da doença uma ameaça real.
“O grande problema não é a circulação do vírus e sim o baixo número de indivíduos imunizados”, afirma Alberto Chebabo, presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
“Infelizmente, com a nossa cobertura vacinal, o risco de assistirmos ao retorno da pólio no Brasil é grande”, lamenta o especialista.
Poliomielite voltou ao Brasil?
Ainda é cedo para dizer que sim, já que o caso está em investigação. No entanto, como disse Chebabo, a baixa cobertura vacinal – que hoje está na faixa dos 54% – aumenta, sim, o risco de vermos a doença voltar em um futuro próximo.
Para entender esse risco, precisamos antes explicar os dois tipos de vacinas da poliomielite que existem atualmente.
O esquema vacinal para a doença no Brasil consiste no uso de duas vacinas: a VIP (também chamada de Salk), feita com o vírus inativado e aplicada de forma injetável; e a VOP (também chamada de Sabin), produzida com o vírus atenuado e aplicada de forma oral.
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Por isso, após recebê-la, é normal e esperado que o indivíduo elimine o vírus atenuado pelas fezes – como ocorreu no paciente do Pará.
Ocorre que o vírus atenuado da vacina VOP também pode causar a doença, embora esse risco seja bem menor.
Como a cepa atenuada (ou “vacinal”) é eliminada nas fezes, podemos dizer que, atualmente, além do vírus “selvagem”, que circula em países como Afeganistão e Paquistão (e não no Brasil, ao menos desde 1989), temos também o vírus vacinal presente no ambiente.
Por que isso é um risco?
Por que, como dito, o vírus vacinal pode, em pessoas vulneráveis e/ou não vacinadas, provocar a doença.
“Como usamos a vacina VOP no nosso calendário, isso significa que teremos eliminação dele pelas fezes de indivíduos vacinados e isso vai para o esgoto”, afirma Chebabo.
“Se a cobertura vacinal estivesse alta, isso não seria um problema. No entanto, como existem cada vez mais indivíduos sem imunidade, o risco de que esse vírus atenuado provoque a doença em indivíduos vulneráveis aumenta bastante”, diz.
Foi o que ocorreu no condado de Rockland, no estado de Nova York, que confirmou o primeiro caso de poliomielite após 10 anos da doença ser considerada eliminada nos Estados Unidos.
O paciente não havia recebido nenhuma vacina contra a poliomielite e desenvolveu o quadro após entrar em contato com um vírus descrito como “vacinal”.
Esse vírus também foi encontrado nos esgotos do estado de Nova York – provocando a declaração de emergência – e provavelmente também na cidade de Londres, no Reino Unido, que detectou a presença do patógeno no esgoto em amostras colhidas ao norte da cidade.
No caso brasileiro, o vírus detectado foi o Sabin Like 3, compatível com a vacina usada por aqui. A criança, no entanto, não havia recebido as vacinas VIP antes de receber o imunizante oral – um erro de imunização que pode ter facilitado o desenvolvimento do quadro.
Então a vacina da pólio provoca a doença?
Não. É importante reforçar que as vacinas são seguras e todos devem recebê-las de acordo com sua faixa etária.
No entanto, é importante atentar para o esquema vacinal para que a proteção seja feita da forma correta. Hoje, o esquema vacinal no Brasil para a poliomielite é: três doses da vacina injetável VIP (aos 2, 4 e 6 meses) e mais duas doses de reforço com a vacina VOP aos 15 meses e aos 4 anos de idade.
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“O problema não é a vacina”, reforça José Eduardo Levi, superintendente de Pesquisa e Desenvolvimento de Novos Produtos da Dasa Genômica e pesquisador do Laboratório de Virologia do Instituto de Medicina Tropical da USP (Universidade de São Paulo).
“Se todos estivessem imunizados corretamente, não haveria perigo. Mas a baixa cobertura vacinal no mundo todo faz com que a doença tenha, sim, o risco de voltar, inclusive no Brasil, de acordo com os dados da OMS [Organização Mundial da Saúde”, lamenta.