Casos de ISTs crescem no mundo; entenda
Infectologistas alertam o avanço das doenças, que podem ser prevenidas e têm tratamento
O ano era 1509. Um jovem soldado alemão chamado Ulrich von Hutten começou a notar furúnculos em sua pele acompanhados de um cheiro fétido horroroso. Havia ainda a dor, tanto nas feridas como no corpo e até nos ossos.
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Hutten havia passado uma temporada na Itália e começou a apresentar os sintomas depois de voltar. A doença desconhecida o atormentou por 10 anos; mas, antes de sucumbir, ele viu a enfermidade se espalhar como fogo pela Rússia e no resto da Europa.
O jovem soldado não sabia, mas havia sido contaminado pela bactéria Treponema pallidum, causadora da sífilis. A doença, que surgiu em uma Europa que ainda se recuperava das imensas perdas humanas após o surto de peste bubônica (em 1490), só teve o patógeno causador descoberto em 1905. A cura só viria em 1943, com a descoberta da penicilina.
Com estimados sete milhões de novos casos em 2020, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a sífilis é considerada uma das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) mais antigas da humanidade.
Mas ela não é a única doença transmitida por contato sexual que continua ativa em tempos modernos. Clamídia, gonorreia e tricomoníase, sem esquecer também do HIV, são problemas de saúde que nunca deixaram de causar preocupação em qualquer parte do mundo.
“A nossa impressão é que as pessoas perderam o medo, a percepção de gravidade dessas doenças”, avalia o médico infectologista Alberto Chebabo, presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
“O número de parceiros sexuais aumentou e o uso de preservativo, não. O problema não é a prática sexual e sim a falta de proteção”, lamenta o especialista.
Mas o que são ISTs?
As infecções sexualmente transmissíveis são quadros infecciosos que ocorrem após o contato sexual (oral, vaginal e/ou anal) realizado sem preservativo (feminino ou masculino).
As ISTs ainda podem ser transmitidas da mãe para a criança durante a gestação, o parto ou a amamentação. E, embora seja menos comum, algumas infecções também podem ser passadas pelo simples contato de mucosas ou feridas com secreções corporais contaminadas.
Os principais agentes patogênicos causadores das ISTs mais comuns são:
- Bactérias
- Vírus
- Protozoários
A pandemia que nunca terminou
Uma das infecções sexualmente transmissíveis mais conhecidas é a Aids, sigla para “síndrome da imunodeficiência adquirida”. Os primeiros casos foram identificados a partir de 1977 nos EUA, Haiti e África Central.
Mas a doença, causada pelo vírus HIV, só recebeu atenção quando o CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças) americano emitiu um relatório, em 1981, falando sobre a morte de cinco homens por pneumonia.
Ao longo da década de 1980, a doença se espalhou rapidamente pelo mundo, infectou mais de 300 mil pessoas e provocou uma epidemia global que se estende até os dias atuais – essa pandemia, na verdade, nunca terminou, já que a OMS mantém seu status como ativo até os dias de hoje.
Isso ocorre em parte porque a doença nunca deixou de existir e a cura nunca foi encontrada (até agora); embora a doença, atualmente, seja controlada com medicamentos. Ao todo, até 2021, a doença ceifou mais de 40,1 milhões de vidas em todo o mundo.
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Para piorar, no início, a doença atingiu em cheio o grupo de homens que fazem sexo com homens, causando um imenso preconceito e muita perseguição entre essas pessoas.
O estigma, no entanto, parece ter ficado no passado, já que as gerações mais novas que não vivenciaram aquele período consideram a Aids uma doença crônica que não afetaria tanto suas vidas. “Eles perderam o medo da doença”, avalia Chebabo.
Em 1987, a zidovudina, conhecida como AZT, tornou-se o medicamento mais eficaz para controlar a doença e é utilizado até hoje. De lá para cá, outras medicações facilitaram ainda mais o controle da doença.
Outra medida que passou a ser tomada a partir de 2010 foi a profilaxia pré-exposição, chamada de PrEP. Esse tratamento consiste em um único comprimido que combina dois antirretrovirais (o Tenofovir e a Emtricitabina) e é recomendado para subgrupos em que a prevalência da doença é maior, como homens que fazem sexo com homens, pessoas trans e trabalhadores do sexo.
A PrEP também é recomendada para indivíduos que deixam de usar camisinha em suas relações sexuais, apresenta episódios frequentes de ISTs e/ou tem relações sexuais com alguém que seja HIV positivo e não esteja em tratamento.
É uma política de contenção de danos que exige acompanhamento médico e uma série de ações de prevenção combinadas, como incentivo ao uso do preservativo, testagem regular para HIV e outras ISTs e tratamento, quando necessário.
Como prevenir as ISTs?
A melhor forma de prevenir as ISTs é o uso de preservativo (masculino e feminino) em todas as relações sexuais (orais, vaginais e anais).
Ele é a barreira ideal para impedir a transmissão dos patógenos causadores dessas infecções, além de impedir a gravidez.
Nem todos sabem, mas a camisinha, como é popularmente conhecida, pode ser retirada em unidades públicas de saúde em todo o Brasil.
Vale reforçar aqui que qualquer pessoa pode contrair uma IST. Essas doenças não escolhem idade, estado civil, classe social, identidade de gênero ou religião.
Além do uso do preservativo, quem mantém uma vida sexual ativa com vários parceiros deve manter uma rotina de testagem para todas as doenças a cada três meses, garantindo assim que, na eventualidade de estar doente, seja detectado de forma precoce.
A importância da vacinação
Nem todas as ISTs podem ser prevenidas por meio de vacinação. Mas algumas delas podem – e, embora as vacinas estejam à disposição da população, as taxas vacinais seguem baixas em seus públicos-alvos.
É o caso, por exemplo, da hepatite B. Dados do Ministério da Saúde indicam que, em 2021, a taxa de vacinação para o tipo B ficou em 57,18%. Apenas para comparação, em 2015, esse número chegou a 88,74%.
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Outra vacina que sofre com o preconceito, e até falta de informação, é a que combate o HPV, disponível no SUS para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos.
“Infelizmente, vemos uma grande dificuldade em vacinar adolescentes em todo o país, inclusive para o HPV”, afirma Socorro Martins, médica pediatra da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, e presidente do Comitê de Imunizações da Sociedade Paraibana de Imunizações.
Por que elas ainda preocupam?
Conhecemos infecções transmitidas pelo sexo, literalmente, há séculos. Também conhecemos as bactérias causadoras e os tratamentos para a cura ou o controle das doenças há muitos anos.
No entanto, mesmo sabendo de tudo isso, essas doenças continuam acometendo milhões de pessoas no mundo todos os anos e provocando inúmeros problemas de saúde.
A sífilis congênita é um bom exemplo disso. Transmitida pela mãe ao bebê durante a gestação, ela aumenta em duas vezes o risco de partos prematuros.
Já as crianças sofrem de baixo peso ao nascer, sequelas neurológicas e alto risco de morte no nascimento.
“A falta de políticas de saúde pública mais efetivas voltadas para as populações mais vulneráveis faz com que esse problema nunca tenha sido efetivamente controlado no Brasil”, afirma o médico David Urbaez, infectologista do Exame Medicina Diagnóstica/Dasa.
Em outro cenário preocupante, dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer) estimam que, entre 2020 e 2022, o Brasil deve registrar 16.710 novos casos de câncer de colo de útero.
Em sete a cada dez casos, a doença é causada por dois subtipos do HPV – vírus transmitido por via sexual e que tem como uma das principais formas de prevenção a vacinação de crianças e adolescentes, meninos e meninas.
No entanto, a mistura de moralismo, machismo, preconceito e fake news faz com que as taxas de imunização sejam muito baixas no País, em especial em regiões onde os índices de câncer são mais preocupantes, como no estado do Amazonas.
“Sexo é algo saudável. Falar disso deveria ser importante como qualquer lição sobre cuidado com o próprio corpo, a própria saúde”, acredita Urbaez.
A dificuldade em falar sobre o assunto, claro, tem consequências na população. Uma pesquisa realizada pela SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) em 2020, por exemplo, revelou que 80% dos entrevistados adultos conhecem as ISTs, porém não se consideram em risco.
Entre adolescentes de 12 a 18 anos, 15% já tiveram a primeira relação sexual, mas 44% não usaram preservativo e 35% não usam ou raramente usam em suas relações. Além disso, 38,5% dos meninos revelaram não saber sequer colocar o preservativo.
Para Chebabo, há uma resistência em educar esses jovens ainda na escola, o que é uma oportunidade de ouro jogada fora. “As pessoas temem que isso incentive-os a praticar sexo, mas a verdade é que eles farão de qualquer jeito, faz parte do momento de vida”, afirma. “Por que, então, não oferecer informação de qualidade para que eles façam isso de forma segura?”, questiona.