Dia Nacional da Ciência: Mulheres na Genética
Dia de agradecer aos nossos profissionais, como a geneticista Michele Migliavacca
Vinda do latim “scientia”, a palavra ciência significa conhecimento. Mas não estamos falando de um conhecimento qualquer, mas sim daquele que busca compreender verdades e fatos, sendo eles demonstrados por meio de testes, análises, comparações e ensaios.
Em outras palavras, você conseguiria imaginar como seria a sua vida sem os avanços nos campos da saúde, ambiente e tecnologia? Na saúde, por exemplo, imagine quantas pessoas ainda morreriam todos os anos vitimadas por doenças como a tuberculose, se os avanços na medicina não tivessem criado a vacina? Isso, só para citar um exemplo. Hoje em dia, são inúmeras as doenças erradicadas e a qualidade de vida melhorada graças aos avanços científicos.
Tamanha a importância desse campo para a sociedade, o Dia Nacional da Ciência foi criado pelo Congresso e é comemorado anualmente em 8 de julho. O intuito é incentivar a atividade científica no país
E para atingir esse objetivo, ou seja, esse conhecimento, precisamos de um profissional da área de ciência e da saúde. No campo da genética, por exemplo, temos o geneticista, responsável por estudar os genes, segmento de uma molécula de DNA responsável pelas características herdadas geneticamente, e as informações contidas neles.
Michele Migliavacca, 38, é uma delas. Mãe, escritora, geneticista e gerente médica da GeneOne – marca referência em genômica médica da Dasa, com laboratórios especializados – tem como propósito de vida encurtar a jornada diagnóstica do paciente com doença rara.
Não é por acaso que entre tantas atividades, dedica-se a um trabalho que vai ao encontro do seu propósito. Batizado de “Odisseia”, o projeto consiste em avaliar a taxa de resolutividade do teste de genoma rápido na população brasileira, analisando também o impacto na morbidade, mortalidade,desfecho clínico e custos de hospitalização.
“Esse é um projeto que venho trabalhando na sua concepção desde 2017, e poder vê-lo em andamento neste momento é extremamente gratificante!”, conta a médica.
Neste mês em que se comemora o Dia da Ciência, conversamos com a geneticista Michele sobre os desafios de ser mulher e mãe na área da ciência e de trabalhar durante a pandemia do novo coronavírus. Confira a seguir.
Quando decidiu ser geneticista?
Michele Migliavacca: No último ano do curso de medicina, todos os meus colegas já haviam decidido qual residência fariam (principalmente as especialidades mais tradicionais como ginecologia e pediatria), mas eu ainda não tinha conseguido me decidir, pois não me identificava com nenhuma.
Sempre gostei de estudar a célula e os mecanismos, e foi fazendo uma busca na internet que achei a residência de genética da (Unifesp) (Universidade Federal de São Paulo). Foi, sem dúvida, o tiro no escuro mais certeiro da minha vida. Mas também, esse desconhecimento inicial demonstra a falta de informação dentro da própria graduação de Medicina sobre a Genética Médica.
Quais os desafios de ser mulher na área da ciência?
Responder essa pergunta de forma resumida já é um desafio. Mas acredito que o principal desafio de ser mulher na ciência é você ter que provar duas vezes que é capaz e merecedora de estar ali. Ainda vivemos em uma sociedade de estereótipos, se você é mulher e bonita, é burra. Então eu era constantemente colocada à prova.
Era quem recebia as perguntas mais difíceis e entrava nas cirurgias mais longas (pois achavam que eu ia desistir). E nessa eu só fui me fazendo mais forte. Até hoje não é raro participar de uma reunião na qual sou a única mulher presente e ter que lidar com situações machistas que muitas vezes os colegas nem percebem.
Sobre trabalhar na pandemia da Covid-19: qual foi a sua percepção em relação ao campo da genética e da ciência?
Na genética médica, a telemedicina teve um grande impacto principalmente pela escassez de profissionais. Nos possibilitou atender pacientes em cidades que não existem profissionais disponíveis.
No entanto, é importante pontuar que tudo apresenta limitação. No caso do exame físico, por exemplo, fica comprometido nessa modalidade de atendimento, porém em algumas situações conseguem ser bem atendidas por esse modelo.
Outro tópico importante na genética que teve avanço nesses dois últimos anos foi a possibilidade de novos tratamentos para doenças raras. Contudo, entendo que pelos próximos anos veremos um aumento de possibilidade de curar o antes incurável.
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Qual foi o maior desafio que os pacientes com doenças raras enfrentaram ou ainda estão enfrentando com a Covid-19?
A grande maioria dos pacientes com doenças raras precisam de um cuidado multidisciplinar com diversas terapias de apoio e múltiplos profissionais. Com o isolamento, muitos desses pacientes ficaram sem esse cuidado, o que impactou no seu prognóstico.
Conte-nos um pouco sobre sua vida de escritora.
Meu filho foi a minha inspiração para começar a escrever livros infantis. Todas as noites antes de dormir lemos um livro. Sinto que é uma ferramenta para abordar assuntos que podem ser difíceis de forma lúdica e leve.
Já publiquei um livro chamado “Tantão, o Touro Mandão” que aborda a questão do bullying na escola e o próximo será “Pascoal, na festa sem igual” que fala sobre a inclusão de pessoas com doenças raras.
O que você gosta de fazer no seu tempo livre?
Meu passatempo favorito é desenhar. Por hora, os desenhos estão guardados. Preciso criar coragem e enquadrar alguns. Tem um especial que gosto muito que é uma praça onde eu tomava café na época que morei em Baltimore. (Veja abaixo)
Para você, mãe e profissional da saúde, qual foi o momento mais marcante da pandemia até agora?
Sem dúvida a sobrecarga de trabalho! Sou mãe solo e não tenho rede de apoio. Foi muito desafiador ficar em casa trabalhando de forma remota com uma criança pequena e mais todos os afazeres domésticos.
Acredito que isso tenha tido um impacto importante na saúde mental de todas as pessoas nessa situação e escancarou uma questão estrutural da nossa sociedade que deve ser endereçada.
Qual é hoje o principal desafio para a ciência brasileira evoluir?
Suporte financeiro, sem dúvida. Temos um governo que investe pouco na ciência.
Minha sugestão é focar na tripla hélice, conjunto de interações entre a academia, a indústria e o governo e, principalmente nas parcerias entre empresas privadas e universidades, entendo esse como o caminho mais viável para a produção científica no momento.
Qual o recado que você deixa para quem deseja seguir nessa carreira?
Entendo que o médico geneticista é como o médico de família de pessoas com doenças raras. Portanto, se você é profissional da área da saúde e tem interesse nessa especialidade, minha sugestão é a realização de estágios dentro dos serviços de genética médica. O site da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica) mostra os locais desses serviços.