Enxaqueca: a doença neurológica afeta 15% dos brasileiros
Doença incapacitante atinge mais da metade da população brasileira

De mudanças no estilo de vida a medicamentos modernos, veja as estratégias para controlar a doença, que tem uma forte predisposição genética
A enxaqueca não é apenas uma dor forte. É uma doença neurológica complexa que atinge mais de 30 milhões de pessoas no Brasil. A condição afeta três vezes mais mulheres do que homens, principalmente na fase mais produtiva da vida, entre os 30 e 50 anos.
O impacto vai muito além do desconforto físico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a enxaqueca como uma das doenças mais incapacitantes em todo o mundo. Durante uma crise, atividades simples como trabalhar, estudar ou mesmo estar em um ambiente iluminado podem se tornar impossíveis.
Neste artigo, você vai ler:
Enxaqueca: o que é?
A enxaqueca é uma doença neurológica, crônica e hereditária que se manifesta em crises de dor de cabeça com características bem definidas. Diferente de uma dor comum, ela não é um sintoma de outro problema, mas a doença em si.
No quadro, há uma hipersensibilidade do cérebro, que reage de forma exagerada a determinados estímulos. Durante uma crise, uma cascata de eventos neuroquímicos no cérebro provoca inflamação e dilatação dos vasos sanguíneos. E isso causa a dor pulsátil tão característica.
A predisposição para a enxaqueca é, em grande parte, genética. Se há casos na família, a sua chance de também desenvolver a doença aumenta bastante.
Tipos de enxaqueca
Os médicos a classificam a enxaqueca de duas maneiras principais: a primeira é pela presença de sintomas neurológicos, dividindo-a em enxaqueca com e sem aura. A segunda é pela frequência das crises, separando-a em episódica e crônica.
Enxaqueca sem aura
Este é o tipo mais comum. A principal característica é a crise de dor de cabeça latejante, geralmente de um lado só da cabeça, com intensidade de moderada a forte.
A dor piora com atividades físicas rotineiras, como caminhar ou subir escadas, e vem acompanhada de náuseas, vômitos ou sensibilidade à luz (fotofobia) e ao som (fonofobia).
Enxaqueca com aura
A enxaqueca com aura atinge cerca de um terço dos pacientes. A aura seriam os sintomas neurológicos transitórios que surgem antes ou durante a dor de cabeça. E eles se instalam de forma gradual e duram, em média, de 5 a 60 minutos.
A forma mais comum de aura é a visual. A pessoa pode ter visão turva, enxergar pontos cegos, flashes de luz, ou linhas em zigue-zague que brilham. Outros tipos de aura são o formigamento em um lado do corpo ou a dificuldade para falar. Logo após a aura, a crise de dor de cabeça costuma começar.
Enxaqueca episódica
Esta é a classificação mais frequente da doença. A enxaqueca é considerada episódica quando a pessoa apresenta crises de dor de cabeça em menos de 15 dias por mês. Embora as crises possam ser intensas e incapacitantes, eles são intercalados por períodos mais longos sem dor, que podem durar de semanas a meses.
Enxaqueca crônica
A frequência das crises define se a enxaqueca se tornou crônica. A enxaqueca crônica é diagnosticada quando a pessoa apresenta dor de cabeça por 15 ou mais dias por mês, por mais de três meses. Desses dias, pelo menos oito precisam ter as características de enxaqueca. É uma condição altamente debilitante, que exige um acompanhamento médico contínuo e tratamentos preventivos.
Principais causas
A causa primária da enxaqueca é uma predisposição genética. Isso faz com que o cérebro da pessoa seja mais sensível a certos fatores, conhecidos como gatilhos. Eles não causam a doença, mas podem iniciar uma crise em quem já tem essa sensibilidade.
Os gatilhos variam muito de pessoa para pessoa, mas alguns dos gatilhos mais frequentes são:
- Estresse;
- Dormir pouco, em excesso ou ter o sono irregular;
- Oscilações hormonais, no caso das mulheres;
- Longos períodos em jejum ou o consumo excessivo de queijos, chocolate, cafeína e álcool (principalmente vinho tinto);
- Luzes fortes ou piscantes, cheiros intensos e barulhos altos;
- Alterações bruscas na temperatura ou na pressão atmosférica.
É possível prevenir a enxaqueca?
Sim, é totalmente possível prevenir as crises de enxaqueca. E essa prevenção se baseia em mudanças no estilo de vida para evitar os gatilhos e, quando necessário, o uso de medicamentos profiláticos.
Para isso, o paciente precisa identificar os gatilhos. Anotar o que comeu, como dormiu e como estava se sentindo antes de uma crise, ajuda muito nesse processo. Uma vez identificados, o ideal é evitar esses fatores. E, além disso, adotar uma rotina mais saudável e regrada, o que inclui:
- Ter horários fixos para dormir e acordar;
- Fazer refeições em intervalos regulares, sem pular nenhuma;
- Praticar atividade física regularmente;
- Aprender a gerenciar o estresse com técnicas de relaxamento ou terapia.
Para pessoas com crises muito frequentes ou incapacitantes, o médico pode indicar tratamentos preventivos com medicamentos. Eles são tomados diariamente para diminuir a frequência e a intensidade das dores.
Sintomas da enxaqueca
Os sintomas mais conhecidos da enxaqueca são a dor de cabeça pulsátil, a náusea e a sensibilidade à luz e ao som. Mas uma crise de enxaqueca é um evento complexo, que pode ser dividido em até quatro fases distintas:
- Pródromo: acontece horas ou até um ou dois dias antes da dor. Os sinais são sutis e incluem bocejos repetidos, desejo por certos alimentos, rigidez no pescoço, irritabilidade ou euforia.
- Aura: é a fase dos sintomas neurológicos reversíveis. A aura visual é a mais comum, mas também podem acontecer alterações de sensibilidade ou de linguagem.
- Dor de cabeça (fase de ataque): é a fase mais intensa e incapacitante. A dor dura de 4 a 72 horas se não for tratada. Ela é tipicamente unilateral, pulsátil e piora com o esforço. Náuseas e vômitos são muito comuns, assim como a extrema sensibilidade a qualquer estímulo de luz, som ou cheiro.
- Pósdromo (ou “ressaca”): depois que a dor principal passa, muitas pessoas se sentem exaustas, sem concentração e com o corpo dolorido por até 24 horas.
Como diferenciar a enxaqueca de um dor de cabeça comum?
A principal diferença está na intensidade da dor e nos sintomas que a acompanham. Uma dor de cabeça comum, como a cefaleia tensional, geralmente causa uma sensação de pressão ou aperto em ambos os lados da cabeça, é de intensidade leve a moderada e raramente impede a pessoa de realizar suas tarefas.
A enxaqueca, por outro lado, é muito mais agressiva e complexa. De acordo com a Academia Brasileira de Neurologia, a dor da enxaqueca costuma ser pulsátil (latejante), de um lado só da cabeça e piorar com o movimento. Ela vem acompanhada por outros sintomas, como náuseas, vômitos e sensibilidade à luz e ao som, algo que não acontece na cefaleia tensional.
Se a dor de cabeça te obriga a parar tudo, deitar-se em um quarto escuro e silencioso, a chance de ser enxaqueca é grande.
Quando procurar por um médico?
Procure um neurologista se você tem dores de cabeça frequentes e que interferem na sua rotina. Mesmo que consiga aliviar a dor com analgésicos comuns, o uso excessivo desses medicamentos pode piorar o quadro a longo prazo.
Além disso, existem alguns sinais de alerta que exigem atenção médica imediata. Vá para um pronto-socorro se a sua dor de cabeça:
- Começar de forma súbita e explosiva (“a pior dor da sua vida”).
- Vier acompanhada de febre, rigidez na nuca, confusão mental ou convulsões.
- Aparecer após uma pancada na cabeça.
- For diferente do seu padrão habitual de dor ou piorar progressivamente.
Exames que auxiliam no diagnóstico da enxaqueca
O diagnóstico da enxaqueca é essencialmente clínico. Não existe um exame de sangue ou de imagem que “mostre” a enxaqueca. O especialista fará perguntas detalhadas sobre a frequência, duração, localização e tipo da dor, além dos sintomas associados.
Em algumas situações, o médico pode solicitar exames de imagem, como a tomografia computadorizada ou a ressonância magnética. Mas isso para descartar outras possíveis causas para a dor de cabeça, como tumores, aneurismas ou outras lesões cerebrais.
Para casos muito específicos, como a suspeita de enxaqueca hemiplégica familiar, um painel genético pode ser considerado.
Formas de tratamento
O tratamento da enxaqueca tem dois focos. O primeiro é tratar a crise aguda, ou seja, aliviar a dor e os sintomas quando ela já começou. O segundo é o tratamento profilático (preventivo) para reduzir a frequência e a intensidade de novas crises.
Para o alívio imediato da dor, são prescritos medicamentos como analgésicos, anti-inflamatórios e os triptanos, que são uma classe de drogas específicas para enxaqueca. É muito importante usar esses remédios logo no início da crise para maior eficácia.
Já o tratamento profilático é indicado para quem tem três ou mais crises por mês ou quando as crises são muito incapacitantes. Entre as opções, temos:
- Medicamentos de uso diário, como alguns antidepressivos e anticonvulsivantes.
- Aplicação de toxina botulínica, indicada para a enxaqueca crônica.
- Terapias mais modernas com anticorpos monoclonais. Medicamentos como o erenumabe e o galcanezumabe, este último aprovado pela Anvisa, são injeções mensais que atuam bloqueando uma molécula envolvida no processo da dor.
Além disso, estudos genéticos podem, no futuro, ajudar a entender como cada pessoa responde a diferentes remédios, personalizando ainda mais o tratamento.