O que o intestino faz além da digestão?
Microrganismos que habitam o intestino influenciam nosso humor e nossa imunidade
Juntos, os intestinos delgado e grosso têm cerca de oito metros de comprimento. Dentro do nosso corpo, lógico, eles ficam enrolados — e é nesse emaranhado de estruturas que acontecem várias atividades que interferem no nosso bem-estar.
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Todo mundo sabe que o intestino tem papel fundamental na digestão. Mas as tarefas desse órgão não acabam por aí.
Acredita que o intestino também é bastante importante para a nossa imunidade e para a nossa saúde mental? Pois é! Antes de partir para esses dois últimos aspectos, no entanto, vamos entender o básico.
Como o intestino atua na digestão?
A digestão é um processo bem longo, que começa, inclusive, no momento em que colocamos alimento na nossa boca.
Depois, a comida passa por esôfago, estômago e, finalmente, chega ao intestino. Esse tubo muscular se estende do final do estômago até o ânus e é dividido em duas grandes partes.
Primeiro vem o intestino delgado. Nele, graças à atuação de sucos digestivos e enzimas, acontece a digestão de gorduras e a absorção da maioria dos nutrientes, que são direcionados para a corrente sanguínea. “Isso ocorre de forma lenta, levando de três a cinco horas”, comenta Fernanda Nunes, gastroenterologista do Hospital São Lucas Copacabana.
Em seguida, no intestino grosso, há a absorção de água e sais minerais. “Começa a ter uma intensa absorção para deixar as fezes sólidas”, explica Nunes. “Além disso, o intestino grosso tem a função de armazenar esse material fecal para que ele possa ser expelido.”
Em resumo, é assim que o intestino contribui para que os alimentos que ingerimos virem energia. E, se queremos entender com mais profundidade o que acontece nesse trecho do nosso corpo, não podemos deixar de lado os microrganismos. Trilhões deles habitam nosso intestino e formam o que conhecemos como microbiota intestinal.
Ela varia conforme o estilo de vida de cada um, mas, de forma geral, estamos falando de bactérias, fungos, arqueas, protozoários e até vírus fundamentais para auxiliar na digestão.
Esses microrganismos são especialmente úteis para a mucosa intestinal, porque servem para destruir substâncias que podem agredir esse tecido — como aditivos alimentares, que estão presentes em várias comidas — e para formar, no muco intestinal, uma barreira de defesa contra substâncias tóxicas.
E por que o intestino é conhecido como “segundo cérebro”?
É justamente por causa da microbiota intestinal. Isso porque há neurotransmissores (substâncias que agem no nosso cérebro) sendo produzidos pelas bactérias intestinais.
“Estima-se que entre 80% e 90% da serotonina, conhecida como hormônio da felicidade, seja produzida pelas bactérias intestinais”, afirma Alessandro Silveira, consultor de microbiologia clínica e molecular da GeneOne e professor na Universidade Regional de Blumenau (Furb).
Outro neurotransmissor ligado à microbiota é a dopamina, que provoca a sensação de prazer, aumenta a motivação e eleva a libido.
Sabe-se, por exemplo, que indivíduos com menores níveis de serotonina estão mais propensos a quadros depressivos.
Uma relação similar é vista no caso do neurotransmissor GABA, também resultado do trabalho das bactérias intestinais. “Pessoas com diminuição de GABA tendem a ter mais ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade”, comenta Silveira.
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Por isso, cuidar da saúde intestinal pode ser útil para melhorar as manifestações de certos quadros clínicos neurológicos.
Se por um lado o que ocorre no intestino pode afetar o cérebro, o contrário também acontece. Os médicos veem esse fenômeno na síndrome do intestino irritável, uma doença crônica funcional capaz de provocar diarreia, constipação e dor abdominal.
A causa ainda não é totalmente conhecida. Atualmente, as hipóteses mais aceitas consistem no estresse psíquico e fisiológico, que pode afetar a contração do cólon, e no estresse psicológico, que pode alterar a função motora do intestino.
“Condições como depressão e ansiedade já são correlacionadas com aumento de chance de ter síndrome do intestino irritável”, observa Fernanda Nunes. Tamanha é a relação entre cérebro e intestino que um dos tratamentos para essa síndrome é a psicoterapia.
Qual a relação entre intestino e imunidade?
Além de nos fornecer energia por meio da digestão e de influenciar nossa atividade cerebral pela produção de neurotransmissores, o intestino é essencial para a imunidade.
Isso pode parecer estranho em um primeiro momento, mas faz sentido se pensarmos que o intestino é uma região que está sob constante “agressão”.
Trata-se de um órgão de comunicação do meio externo com o nosso meio interno — comunicação essa que se dá pela ingestão de líquidos e alimentos.
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Outra consequência do desequilíbrio da microbiota intestinal está relacionada à síndrome do intestino permeável. Como o próprio nome adianta, é um quadro no qual a permeabilidade intestinal aumenta. Consequentemente, o sistema imunológico começa a ter contato com várias substâncias que passam pelo intestino.
“Esses componentes bacterianos (chamados de LPS) vão para a nossa corrente sanguínea e geram uma resposta inflamatória”, esclarece Silveira. “É um processo silencioso e, apesar de ser de baixo grau, é crônico e traz manifestações sistêmicas para o corpo.”
Na síndrome do intestino permeável, nosso sistema imune fica em constante estado de alerta, sempre pronto para responder a qualquer agressão. Com o passar do tempo, ele pode ficar mais suscetível a infecções, obesidade, resistência periférica à insulina e alergias.
Vale ressaltar que, embora haja essa associação entre desequilíbrio da microbiota intestinal e doenças crônicas, a comunidade médica ainda não tem explicações estabelecidas sobre as causas. “Sabemos que uma coisa está associada a outra, mas não sabemos o que é causa e o que é consequência”, frisa Silveira.
O que mais o intestino faz no nosso corpo?
Entre as mil e uma utilidades do intestino, podemos citar ainda a produção bacteriana de vitaminas dos complexos B e K e a contribuição para o metabolismo de alguns hormônios.
Deu para ter uma ideia do quão relevante é o nosso intestino, né? Assim fica fácil entender a importância de cuidar direitinho dele — e dos microrganismos que lá habitam.
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“O intestino vai funcionar principalmente com água, atividade física e fibras”, sintetiza Fernanda Nunes. “E sempre falamos para os pacientes evitarem alimentos processados e ultraprocessados, porque são sabidamente relacionados a câncer no trato gastrointestinal”, acrescenta a gastroenterologista.
Em resumo, os bons hábitos que podem (e devem) ser cultivados incluem:
- Ter uma alimentação natural, saudável e diversificada
- Praticar exercícios físicos regularmente
- Dormir bem (ou seja, ter um sono de boa qualidade e em quantidade suficiente)
- Realizar atividades que diminuam o estresse e favoreçam a saúde mental
- Não passar tempos prolongados de jejum
- Fracionar bem as refeições ao longo do dia