Como chegar à velhice com autonomia e vitalidade
Com a expectativa de vida maior, é preciso planejamento para chegar à velhice com saúde
Você já parou para pensar o que quer ser quando envelhecer? Se a resposta for “não”, saiba que tudo bem: é mais do que esperado que, em uma sociedade que endeusa corpos jovens e recompensas imediatas, planejar o que faremos quando estivermos velhos seja a última das prioridades – se é que entra nessa lista.
Neste artigo, você vai ler:
A própria palavra “velho” causa desconforto em muita gente, que prefere falar em “terceira idade” ou “melhor idade”. Tudo porque envelhecer é um tabu e, portanto, um assunto que deve ser evitado. Mas essa visão é um tanto equivocada, já que o passar dos anos é um processo inevitável enquanto estamos vivos.
Nesse sentido, planejar como serão os anos em que estaremos vivenciando a velhice é um assunto cada vez mais urgente se quisermos preparar o corpo e a mente para alcançarmos essa idade com autonomia e vitalidade.
Urgente porque o aumento da expectativa de vida, no Brasil e no mundo, é um fato. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), por exemplo, afirmam que o brasileiro já vive, em média, 76,8 anos. Já a OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que, em 2050, o mundo terá dois bilhões de pessoas vivendo acima dos 60 anos.
Ou seja, se tudo der certo, vamos passar pelo menos duas décadas encarando todas as delícias e as dificuldades de ser um indivíduo sênior. E, para aproveitar esse período, é preciso cuidar da saúde física e mental desde a vida adulta.
Cuidando do físico
O tema “envelhecimento” é evitado por muita gente porque, em parte, ele traz consigo alguns medos. Um deles certamente é o de perder a capacidade de viver de forma autônoma, situação comum entre idosos com o avançar da idade. Isso inclui, por exemplo, o aumento no risco de quedas e fraturas.
Os dados realmente são preocupantes. A OMS afirma que a prevalência de quedas em pessoas acima dos 65 anos fica entre 30% e 60%. Acima dos 80 anos, essa incidência aumenta junto com o risco de morte por quedas, que chega a ser seis vezes maior.
As três principais fraturas que acometem os idosos são fêmur, punho e coluna. Isso ocorre por um motivo simples: é nessa faixa etária que problemas como dificuldades visuais, perda de massa e função muscular (sarcopenia) e uso frequente de medicações costumam ocorrer, causando perda de equilíbrio, quedas de pressão e tonturas.
Mas engana-se quem pensa que esses problemas são “normais” da idade. “Não são. Se você cuidar do corpo durante a vida adulta, você preserva o seu corpo para chegar à velhice mais forte e preparado justamente em uma fase em que estamos mais vulneráveis”, afirma Marco Tulio Cintra, vice-presidente da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).
Segundo ele, outro problema frequente que acomete idosos – em especial, as mulheres – é a incontinência urinária. Mas até ela tem jeito se forem feitos exercícios específicos de fisioterapia para fortalecer o assoalho pélvico, em qualquer idade. “Sempre é possível começar e sempre haverá benefícios”, afirma o especialista.
Quando pensamos em saúde física na velhice, é impossível não falar de exercícios físicos. De acordo com uma revisão de estudos publicada no periódico BMJ, a prática de atividades físicas direcionadas aos mais velhos pode reduzir o risco de quedas e deveria integrar os programas de prevenção desse tipo de acidente.
De acordo com Diego Barros, fisiologista do exercícios e diretor da DLB Assessoria Esportiva, a combinação de atividades aeróbicas e de fortalecimento muscular ajuda a preparar o corpo para entrar na velhice com mais autonomia e equilíbrio físico.
“Ter o corpo respondendo aos estímulos de forma funcional permite que o indivíduo mantenha suas capacidades físicas e mentais por mais tempo, podendo continuar com as atividades profissionais e familiares sem precisar de grandes adaptações”, afirma o especialista.
A tal reserva cognitiva
O exercício físico é fundamental para manter o corpo fisicamente saudável e capaz de se sustentar durante a velhice. Mas ele também ajuda em outra área: na manutenção da reserva cognitiva.
Esse é o termo utilizado para descrever a capacidade que o cérebro tem de utilizar outros caminhos para acessar informações importantes envolvendo processos cognitivos, como a memória.
Para entender melhor a reserva cognitiva, precisamos antes falar sobre a plasticidade do cérebro. Não faz muito tempo, a ciência acreditava que o cérebro nascia com um número determinado de neurônios e que, ao longo dos anos, eles iriam aos poucos se perdendo por fatores como envelhecimento, doenças ou lesões, por exemplo.
Hoje, no entanto, já se sabe que o cérebro é capaz de se adaptar a diversos cenários e consegue expandir as conexões entre neurônios para criar novas formas de continuar performando de forma funcional. A essa capacidade damos o nome de neuroplasticidade, ou plasticidade neural.
Embora o processo ainda não seja totalmente conhecido, a neuroplasticidade já é reconhecida como uma característica básica do cérebro humano. Um estudo feito por pesquisadores espanhóis, por exemplo, mostrou que o órgão utiliza esse recurso de forma rotineira para adaptações nos processos de aprendizado e memória.
É justamente essa capacidade adaptativa que possibilita que pessoas com lesões cerebrais ou doenças como o Alzheimer possam reaprender funções perdidas após a morte de neurônios.
+ Saiba mais: Diagnóstico precoce é o segredo para a qualidade de vida na terceira idade
Mas a eficiência dessa resposta depende da reserva cognitiva, uma espécie de “poupança” que formamos ao longo da vida com estímulos para que as células nervosas consigam criar diversas alternativas de conexões para acessar informações e funções importantes.
Quanto maior e mais sólida for essa rede de conexões, maiores as chances de manter uma vida mais ativa e autônoma na velhice, quando naturalmente começamos a “queimar” essa reserva.
“O envelhecimento, mesmo que normal, é um estado de menor reserva funcional e maior predisposição a doenças”, afirma Luís Fernando Rangel, geriatra do Hospital Brasília, do Grupo Dasa.
“Aumentar nossas reservas durante a vida adulta é o meio mais seguro de garantir que fiquemos menos vulneráveis a eventos não previsíveis, como infecções e fraturas, que podem diminuir nossas reservas e nos deixar doentes”, explica.
A reserva cognitiva vai sendo construída ao longo da vida por meio de diversos estímulos. E o exercício físico sem dúvida é um deles. Isso ficou claro para um grupo de pesquisadores americanos, que concluíram em um estudo que a atividade estimula o aumento do hipocampo, uma área do cérebro que atua sobre a nossa memória.
Mesmo pessoas mais velhas e que começaram a criar essa “poupança” mais tarde se beneficiam da prática de exercícios. É o que diz um outro trabalho científico que analisou indivíduos acima dos 50 anos e demonstrou ganhos cognitivos entre aqueles que iniciaram atividades aeróbicas e de resistência com intensidade moderada.
A importância da socialização
Uma das coisas que pouco se fala da velhice é a redução do círculo social desses indivíduos. Seja porque eles deixam de trabalhar ou começam a ter dificuldades de mobilidade, o fato é que muitos velhinhos acabam perdendo contato com amigos e até familiares com o passar dos anos.
Essa questão envolve dois problemas. O primeiro deles tem a ver com o lado emocional: com menos contato social, existe a sensação de não pertencer ao grupo, à sociedade. E, muitas vezes, esse indivíduo passa a se sentir invisível, afetando sua autoestima.
Por outro lado, há também uma tendência da sociedade em invisibilizar pessoas velhas, como se elas já tivessem cumprido um papel e pudessem – ou devessem – se retirar. Esse preconceito é chamado de etarismo e permeia vários espaços da vida dos mais velhos. “Alguns têm dificuldade em conseguir emprego e sentem receio de serem vistos como aquele que dá trabalho, que tem problemas de saúde”, diz Marco Tulio.
A segunda questão envolve a reserva cognitiva. É que um dos estímulos mais importantes para um cérebro saudável é a interação social, os relacionamentos e a vida em comunidade – afinal, lembremos que o ser humano é um animal gregário e não foi feito para viver isolado e sozinho.
“A interação social é um estímulo muito potente para o autodesenvolvimento e a autoestima, e a falta dela cria problemas que encontramos em pacientes que não envelheceram bem por causa disso”, afirma Rangel.
Alguns desses problemas envolvem transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Não à toa, durante os dias mais duros de quarentena durante a pandemia do novo coronavírus, a OMS já havia alertado para as dificuldades que pessoas mais velhas teriam para cuidar da saúde mental naquela situação.
Para a psicóloga Dorli Khamkagi, coordenadora e colaboradora dos Grupos de Amadurecimento do IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), os mais velhos precisam sair desse lugar limitante – e muitas vezes autoimposto – para assumir novas tarefas e sair em busca de realizar novos planos, sonhos e desejos que a vida continua a oferecer.
“Os mais velhos têm uma presença, um lugar de guardião de segredos, mas também de responsáveis por revelar e ensinar aquilo que aprenderam ao longo da sua jornada”, afirma. “Ainda há muito a ser feito, muitos legados que precisam ser passados.”