Obesidade: uma pandemia contínua
Olhar a obesidade como doença é importante para que mais pessoas busquem tratamento e também para combater o preconceito
Hoje é celebrado o Dia Nacional de Prevenção de Obesidade. A cada ano, o número de pessoas que lutam contra a obesidade aumenta consideravelmente. Os dados são alarmantes: segundo o Atlas Mundial da Obesidade de 2022, em 2030, cerca de 30% da população adulta estará acima do peso. E, no mundo, a expectativa é que um bilhão de pessoas viverão com este problema de saúde.
Neste artigo, você vai ler:
Segundo o Ministério da Saúde, mais da metade dos brasileiros hoje está com sobrepeso e 25% convivem com a obesidade.
De forma bastante resumida, a obesidade é uma condição que ocorre quando o indivíduo tem acúmulo anormal ou excessivo de gordura no corpo. E por conta disso, o organismo inteiro é alterado, o que prejudica diretamente a sua saúde.
Geralmente, uma pessoa é considerada obesa se tiver um IMC (Índice de Massa Corporal) elevado. Mais adiante, você poderá conferir detalhes sobre este cálculo.
Embora muita gente queira emagrecer por questões estéticas, o excesso de gordura corporal aumenta o risco de morte precoce e problemas de saúde graves, como alguns tipos de câncer, diabetes e doenças cardiovasculares.
E é por isso que a obesidade é considerada uma doença crônica que precisa de tratamento. A seguir, você entende melhor como o excesso de peso pode ser prejudicial para a saúde, a importância do tratamento multidisciplinar e como funciona a nova classificação da obesidade.
Como a obesidade afeta o corpo
A obesidade aumenta a produção de diversos hormônios e faz com que o organismo fique sempre inflamado, alterando as funções de alguns órgãos. Além disso, o excesso de peso é considerado fator de risco para o câncer.
De acordo com o INCA, cerca de 13 em cada 100 casos de câncer no Brasil são atribuídos ao sobrepeso e à obesidade. Entre eles, estão: esôfago, estômago, pâncreas, fígado, intestino, rins, mama, ovário, tireoide e mieloma múltiplo.
Abaixo, você confere no infográfico como a obesidade altera diferentes partes do organismo e aumenta o risco de doenças.
Nova classificação da obesidade
Como você já viu, o IMC (índice de massa corporal) é um dos parâmetros universais usados para identificar se a pessoa está ou não acima do peso.
Funciona dessa maneira: é preciso dividir o peso (kg), pelo quadrado da altura, em metros (m). Está com sobrepeso quem tem valores de IMC entre 25 kg/m2 e 29,9 kg/m2. E valores acima de 30 kg/m2 já indicam obesidade.
Mas o IMC não é o único método para identificar a obesidade. Recentemente, a Abeso (Associação Brasileira Para o Estudo da Obesidade) e a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) definiram uma nova maneira de classificar a obesidade*, agora focando na trajetória do peso da pessoa.
Dessa forma, avalia-se o peso máximo que a pessoa já teve (excluindo a fase da gestação de mulheres) e anota-se o quanto ela já perdeu no passado. E em seguida, calcula-se a porcentagem que essa perda representa daquele valor mais alto.
Esta nova classificação da obesidade poderá se tornar uma ferramenta importante para avaliar as variáveis que envolvem a doença. Isso porque será analisada a trajetória do peso do indivíduo e não apenas seu peso atual, de acordo com o IMC.
“É uma forma mais realista de lidar com pacientes com obesidade. Isso porque se baseia no peso maior que o indivíduo já teve. Mostra que as perdas de peso, mesmo quando não chegam a normalizar o índice de obesidade, já são importantes para a condição clínica da pessoa”, destaca Jacqueline Rizzoli, endocrinologista e diretora da Abeso.
Ao perder cerca de 5% do peso, já há uma melhora no quadro de saúde da pessoa e, quem consegue diminuir de 10 a 15% alcança benefícios ainda maiores. Dessa forma, estabelecem-se, respectivamente, dois conceitos novos: obesidade reduzida e obesidade controlada.
Vale destacar que a nova classificação reforça que o emagrecimento deve ser sustentável, ou seja, que a pessoa consiga reduzir, mas também manter o peso.
Por que a obesidade deve ser vista como uma doença?
A obesidade é uma doença crônica, complexa e multifatorial. Diversas entidades médicas internacionais, como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) classificam a condição como um problema bastante sério, que necessita de tratamento específico e de longo prazo.
É bastante comum que as pessoas que estão acima do peso sejam consideradas como preguiçosas, sem disciplina ou força de vontade. No entanto, controlar a obesidade não é algo simples, justamente por ter várias causas, e exige acompanhamento por toda a vida.
“A pessoa com obesidade apresenta uma predisposição maior para acumular energia em forma de gordura corporal e tem maior dificuldade para perder e manter o peso. Isso acontece em grande parte por fatores genéticos, mas também contribuem para isso os fatores metabólicos, psicológicos, comportamentais e ambientais”, destaca Andrea Levy, psicóloga, presidente e co-fundadora da ONG Obesidade Brasil.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa publicada no American Journal of Clinical Nutrition mostrou que apenas 20% das pessoas que emagreceram mais de 33 kg conseguiram manter o peso por mais de cinco anos. O que comprova a dificuldade de combater a obesidade de forma permanente.
Fatores que levam à obesidade
É bastante comum pensar que o principal fator que causa a obesidade é comer em excesso e não praticar atividade física. Porém, apesar de o ganho de peso ocorrer com mais frequência em quem consome mais calorias do que gasta, a condição é considerada multifatorial, ou seja, tem várias causas.
Veja detalhes abaixo:
A importância do tratamento multidisciplinar
O tratamento da obesidade exige a participação de vários especialistas. Além disso, é preciso realizar um acompanhamento constante, uma vez que o efeito sanfona (ganhar e perder peso diversas vezes) é bastante comum.
“São necessárias diversas mudanças e ajustes na alimentação, atividade física adequada, controle emocional, ajustes de tratamentos medicamentosos, entre outros”, pontua Rizzoli.
A seguir, veja como cada área da saúde pode contribuir com o tratamento da obesidade:
- Endocrinologista: é o especialista responsável por avaliar as alterações hormonais e metabólicas, que podem atrapalhar o emagrecimento. Geralmente, o endocrinologista faz o controle de outras doenças associadas e acompanha o tratamento com outros profissionais.
- Nutricionista: a alimentação equilibrada é fundamental para a perda de peso. O nutricionista avalia as necessidades nutricionais de forma individual e ajuda na reeducação alimentar e a fazer escolhas alimentares mais saudáveis.
- Preparador físico: a atividade física contribui para a perda de gordura, além de melhorar o humor, regular os hormônios e acelerar o metabolismo. O profissional de educação física elabora treinos individuais e define metas.
- Psicólogo ou psiquiatra: a saúde mental da pessoa com obesidade também é importante. As questões emocionais podem contribuir com o consumo excessivo de alimentos. Os especialistas ajudam a pessoa com obesidade a ter uma relação mais saudável com a comida.
Quando é indicada a cirurgia bariátrica?
A cirurgia bariátrica é um procedimento cirúrgico que pode ser realizado no estômago ou intestino (ou ambos) para controlar a obesidade, sendo considerada um recurso terapêutico para quem não consegue emagrecer, mesmo após realizar diversos tratamentos.
Há diversas técnicas disponíveis e cada caso deve ser avaliado individualmente. Geralmente, a pessoa consegue perder peso rapidamente e reduzir o risco de outras doenças. Mas, a bariátrica não é recomendada para todo mundo: o indivíduo precisa ter IMC acima de 40kg/m2 (ou 35 kg/m2, caso tenha outras doenças).
Na maioria das vezes, os resultados são satisfatórios e a mortalidade é considerada baixa. Além disso, é um procedimento seguro, quando realizado por profissionais capacitados e a indicação da cirurgia for adequada. Em pouco tempo, a pessoa volta a sua rotina habitual, apesar de necessitar de acompanhamento regular.
“Cheguei aos 174kg e não conseguia andar direito”
Aos 22 anos, após enfrentar um relacionamento abusivo, Glenda Carvalho, 37, viu o ponteiro da balança despontar. Ao procurar ajuda médica, tomou alguns medicamentos, que funcionaram momentaneamente, mas em pouco tempo engordou mais de 30 kg. Começava assim a sua luta contra a obesidade.
Em 2021, a especialista em marketing, chegou aos 174 kg e notou que o excesso de peso atrapalhou toda sua vida. “Eu não conseguia andar muito, ficava sempre cansada, tomar banho era difícil e precisava cozinhar e fazer compras sentada”, relata.
E ainda enfrentava os julgamentos, olhares e críticas por não conseguir emagrecer. “Fui excluída de uma vaga de emprego por conta do meu peso. Chegaram a me falar que tinha todos os requisitos, mas o meu IMC não era compatível com o que buscavam”.
Além disso, o peso corporal em excesso afetava a sua coluna e articulações. “Sentia muita dor e entrei em um ciclo. Não conseguia fazer atividade física, os equipamentos não aguentavam o meu peso. Eu não tinha mobilidade e nem vida”, diz.
Glenda buscou informações sobre os tratamentos disponíveis, decidiu mudar hábitos e realizou a cirurgia bariátrica em junho do ano passado. Atualmente, ela comemora a perda de 75 kg.
“Foi um processo muito difícil, mudei toda a minha rotina: hoje faço atividade física, terapia, acompanhamento com endocrinologista e nutricionista, tomo suplementos e me alimento melhor. Ainda não bati a minha meta, pois faltam uns 30kg, mas o tempo de me preparar é agora”.
Gordofobia e o estigma da obesidade
É bastante comum que quem esteja acima do peso enfrentem situações desagradáveis como “piadas” de mau gosto, olhares atravessados ou discriminação em vagas de emprego.
Este preconceito recebe o nome de gordofobia. E é mais comum do que você imagina. Uma pesquisa realizada pela Abeso e SBEM apontou que oito em cada 10 pessoas com obesidade já sentiram algum tipo de constrangimento.
A gordofobia ocorre em diferentes locais. Muitos relataram sofrer discriminação dentro da própria casa (72%), em lojas e comércio em geral (65,5%), durante uma consulta médica (60,4%) e no trabalho (50,7%).
Além de afetar a saúde mental, é comum que o preconceito piore a obesidade, já que muitos se sentem culpados pelo excesso de peso e evitam buscar ajuda profissional.
“A única forma de conseguirmos minimizar o grande impacto dessa doença na saúde da população é por meio da ampliação do conhecimento sobre o tema e oferecendo o cuidado adequado. A obesidade é a consequência de uma confluência de fatores”, ressalta Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da SBEM.
Movimento body positive e autoaceitação
Quem acompanha as redes sociais, pode ter percebido diversos perfis de influenciadores digitais destacando a beleza das pessoas com sobrepeso ou obesidade. Este movimento ficou conhecido como body positive, que incentiva a aceitação do próprio corpo e estimula o amor-próprio.
Muitas vezes, a sociedade impõe padrões corporais inacessíveis para a maioria da população e reforça que apenas pessoas magras são bonitas. Obviamente, isso afeta diretamente a autoestima dos indivíduos que estão tentando emagrecer.
Os especialistas reforçam que o primeiro passo para a mudança é a aceitação. E aqui não estamos falando que é preciso encarar a obesidade como sinônimo de saúde. E muito menos fazer apologia à obesidade. Falamos da importância de aceitar o seu corpo como ele está, se amar, reconhecer suas dificuldades e, em seguida, buscar ajuda para viver com mais saúde.
Como você viu, perder peso (e principalmente mantê-lo) leva tempo e é uma luta constante. Por isso, ter a autoestima elevada é fundamental para a prática de autocuidado e realizar mudanças que valorizem o bem-estar. Para isso, é preciso se alimentar adequadamente, dormir bem, evitar o estresse e praticar atividade física regular. São pequenos passos diários que já fazem toda a diferença.
“Precisamos olhar individualmente para cada pessoa que busca combater a obesidade. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não tem a ver com falta de disciplina e força de vontade. Essas pessoas precisam ser acolhidas, amparadas e orientadas”, finaliza Levy.