Desvendando o DNA do Brasil
Sequenciamento genômico da população brasileira poderá transformar a saúde e apontar evolução e origem do país
A formação do povo brasileiro é bastante complexa e é o resultado de uma grande miscigenação, ou seja, uma mistura entre diferentes etnias. É só lembrar um pouco sobre o que aprendemos na escola: o Brasil foi colonizado pelos portugueses, onde habitavam os indígenas e pouco tempo depois vieram os negros africanos, que foram escravizados. E não para por aí! No século XIX, principalmente, vieram mais imigrantes europeus e asiáticos.
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Por conta disso, responder qual é o DNA (e determinar o mapa genético) dos brasileiros se tornou um grande desafio. Bem, se você ainda não está familiarizado com os termos básicos da genética e a importância para a nossa saúde, siga em frente na leitura desta reportagem.
Em busca do DNA perdido
O projeto DNA do Brasil foi lançado em 2019 com um objetivo ambicioso: montar um banco com dados genéticos do povo brasileiro, desvendar variações genéticas relacionadas às características de saúde (genes relacionados a doenças), além da origem de boa parte da população.
Liderado pela cientista Lygia da Veiga Pereira, professora da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em genética, o projeto, que conta com a parceria da Dasa, também visa incluir o Brasil no mapa de estudos genômicos e aumentar a sua representatividade.
“Conseguir identificar o genoma é entender o ser humano desde suas origens, sua evolução, seu organismo e sua saúde. Já é possível, por exemplo, analisar as predisposições genéticas de algumas doenças, a resposta a medicamentos e até desenvolver novas terapias. O intuito é avançar na área da saúde e pesquisas”, diz a cientista.
Para ela, o DNA do Brasil dará informações sobre características genéticas que podem impactar diretamente na saúde da população brasileira. “A miscigenação do brasileiro é um diferencial. Ao começarmos o sequenciamento genético, percebemos que eles funcionam como mosaicos, com características peculiares, de indígenas, africanos e europeus”, acrescenta.
De acordo com Tábita Hünemeier, geneticista e também pesquisadora do projeto, o objetivo é identificar características genéticas específicas da população brasileira e resgatar a origem do Brasil. “Será uma forma de conhecer o povo brasileiro e saber como direcionar melhor os tratamentos e reconhecer como o legado genético influencia no surgimento de doenças”, completa.
Como está sendo feito?
Inicialmente, em 2019, o projeto DNA do Brasil teve o objetivo de analisar o sequenciamento de 15 mil genomas de brasileiros de diversas regiões do país.
Na primeira etapa, foram sequenciadas cerca de 2 mil amostras. E, em breve, esse número deverá mais do que dobrar em pouco tempo. A expectativa é que sejam analisados cerca de 4,5 mil genomas até o final de 2022. E, por conta disso, já é possível ver a miscigenação e a diversidade da população brasileira.
Basicamente, são cruzadas as informações genéticas geradas a partir do sequenciamento do DNA desses brasileiros. E este sequenciamento foi realizado com uma tecnologia chamada NovaSeq, que sequencia 48 genomas humanos em 72 horas.
Já o Google Cloud ficou responsável pelo armazenamento e processamento dos dados de sequenciamento em nuvem, permitindo análises e cruzamento de dados em escala por meio de ferramentas de analytics e machine learning.
Para contribuir com a iniciativa, a Dasa disponibilizou os 2 mil primeiros genomas para o sequenciamento. De acordo com Gustavo Campana, diretor médico da Dasa, conhecer a arquitetura genética de uma população é de extrema importância, principalmente a brasileira, que é miscigenada.
“Esse conhecimento permite que a gente melhore a qualidade dos testes genéticos ao identificar as variantes mais comuns, que podem elevar o risco de determinada doença, ajudando na prevenção. Com isso, contribuirá diretamente com a saúde da população”, destaca.
Contribuição com a medicina de precisão
Imagine conseguir prever quais doenças você poderá ter no futuro e começar a prevenir hoje mesmo. Atualmente, já é possível calcular o risco de desenvolver determinados problemas de saúde (como o câncer) e desenvolver tratamentos específicos, de acordo com as mutações do DNA.
É importante saber que a genética já faz parte da rotina de diversas pesquisas médicas. Por isso, o Projeto DNA do Brasil poderá contribuir com a medicina de precisão, ou seja, conseguir encontrar o tratamento adequado para a pessoa certa, no tempo correto. E também com a medicina preventiva, que permite agir antes que os indivíduos adoeçam.
“Quando a gente começa a entender quais variantes genéticas estão associadas a um maior risco de determinada doença, como Alzheimer ou doença cardíaca, é possível alertar o indivíduo sobre os seus riscos, os problemas que ele tem um risco elevado. Isso melhora o diagnóstico preditivo de doenças”, relata Pereira.
Assim, conhecendo melhor a predisposição genética, é possível adotar medidas preventivas específicas, conhecendo melhor a predisposição genética. No caso do câncer, por exemplo, a compreensão ao conhecer as das questões genéticas envolvidas em cada indivíduo, pode guiar a escolha do tratamento quimioterápico poderá ser mais eficiente para cada indivíduo.
E dependendo das doenças, baseado nos testes genéticos, consegue-se determinar qual é o medicamento mais eficaz e com menos efeitos colaterais.
A questão da diversidade e inclusão
Como você já deve ter percebido, o Brasil é um país diverso e também bastante amplo. E, até o momento, as amostras de códigos genéticos analisados costumam ter ancestralidade predominantemente europeia, e também de norte-americanos e asiáticos – algo bastante diferente dos brasileiros.
Mas como a falta de diversidade nos bancos de dados genômicos atrapalha a saúde do povo brasileiro? Atualmente, estima-se que 80% dos dados no mundo são feitos com base em pessoas de genomas de ancestralidade europeia, o que faz as descobertas serem mais precisas apenas para essas populações. Com o projeto DNA do Brasil, o desafio é encontrar combinações genéticas que ainda não foram descritas.
Vale destacar que a genética das doenças complexas varia entre diferentes populações. Sendo assim, é preciso ter diversidade nos estudos científicos.
“É um desafio porque a população brasileira é gigantesca, mas é o primeiro passo para conseguirmos interpretar os testes genéticos focando na diversidade. Já somos o maior banco de dados genômicos da América Latina. E, em breve, esses dados poderão contribuir com a saúde da população, com as pesquisas científicas e também para conhecer mais a história do país”, destaca Hünemeier.
O projeto já encontrou uma boa quantidade de novas variantes de DNA que ainda não foram descritas em outras populações. Esse passo é importante para contribuir com a ciência de todo o mundo. Além do DNA brasileiro, também está sendo sequenciado o DNA africano e indígena, algo até então inédito.
Outro objetivo do DNA do Brasil é incluir informações em um banco de dados público para que pesquisadores de todo o mundo tenham acesso. Isso permitirá o desenvolvimento de estudos internacionais que também levem em conta a diversidade genética brasileira.