Risco de retorno da pólio preocupa especialistas
Doença que está controlada no Brasil desde a década de 1990 teve caso recente nos EUA
A notícia de que o estado de Nova York declarou estado de emergência, no início de setembro, ao detectar o vírus da poliomielite no esgoto de três municípios aumentou ainda mais a preocupação de pais e especialistas sobre o retorno da doença.
Em junho, o condado de Rockland, no mesmo estado, já havia se alarmado ao confirmar o primeiro caso da doença após 10 anos dela ser considerada eliminada nos Estados Unidos. O paciente não havia recebido nenhuma vacina contra a poliomielite.
No mesmo mês, a cidade de Londres, no Reino Unido, detectou a presença do vírus no esgoto em amostras colhidas ao norte da cidade. Por lá, no entanto, nenhum caso foi oficialmente diagnosticado até agora.
Também chamada de paralisia infantil, a poliomielite é provocada pelo poliovírus e acomete especialmente crianças menores de cinco anos. A maioria das pessoas desenvolvem sintomas semelhantes ao de um resfriado ou permanecem assintomáticas enquanto transmitem o vírus.
Em casos graves, no entanto, a poliomielite afeta o cérebro, prejudicando a musculatura dos membros inferiores e provocando paralisia – daí o seu nome mais conhecido.
O vírus estava relativamente controlado em grande parte dos continentes, mas a baixa cobertura vacinal promovida, em especial, pelo crescente movimento anti-vacina no mundo tornou o retorno da doença uma ameaça real.
“O grande problema não é a circulação do vírus e sim o baixo número de indivíduos imunizados”, afirma Alberto Chebabo, presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
Desde 1994, o Brasil tem o certificado de eliminação da poliomielite – alcançado após inúmeras campanhas de vacinação em massa realizadas pelo Ministério da Saúde. A falta dessas campanhas e o incentivo à imunização, no entanto, podem colocar todo esse esforço a perder.
“Infelizmente, com a nossa cobertura vacinal, o risco de assistirmos ao retorno da pólio é grande”, lamenta o especialista, que concedeu uma entrevista sobre o assunto. Confira:
Os EUA detectaram o primeiro caso de poliomielite em 10 anos, em junho deste ano. O que isso quer dizer para nós, no Brasil? Existe o risco de vermos a doença voltar?
Alberto Chebabo: Infelizmente, sim. A nossa cobertura vacinal vem caindo nos últimos anos e está bastante baixa do ideal, que seria de 90%. Com isso, temos uma grande preocupação de que o vírus acabe chegando aqui e, por causa dessa baixa imunização, possa contaminar pessoas.
O vírus detectado nos EUA [em junho, em um paciente de Rockland, condado do estado de Nova York] foi descrito como “vacinal”. O que isso quer dizer?
AC: Existem dois tipos de vírus hoje no ambiente. O primeiro é o selvagem, o “original”, que está na natureza. O segundo é o vírus atenuado, que usamos na vacina oral-bivalente [VOP, popularmente conhecida como a vacina da gotinha].
É justamente esse segundo tipo que causou a doença no paciente de Nova York e também que foi detectado no esgoto de algumas cidades.
Isso porque, apesar de atenuado, o vírus da vacina VOP também pode causar a paralisia, embora o risco seja menor em comparação ao vírus selvagem.
E como ele chegou ao esgoto das cidades?
AC: Alguns países, como o Brasil, fazem uso combinado da vacina injetável, feita com vírus inativado, e da vacina VOP, que tem como vantagem estimular a proteção por anticorpos das mucosas gastrointestinais, onde o vírus também age.
Com isso, o vírus atenuado é aplicado na boca da criança, passa pelo sistema digestivo e é eliminado pelas fezes, chegando ao esgoto.
Se a cobertura vacinal estivesse alta, isso não seria um problema. No entanto, como existem cada vez mais indivíduos sem imunidade, o risco de que esse vírus atenuado provoque a doença em indivíduos vulneráveis aumenta bastante.
[Nota: desde 2000, os EUA e o Reino Unido não aplicam mais a vacina VOP. No entanto, como há um grande fluxo de viajantes e imigração de países que ainda fazem uso da vacina para aquele país, é bastante provável que o vírus tenha sido levado para lá por alguma dessas rotas]
Existe o risco de encontrarmos o vírus atenuado da pólio no esgoto de cidades brasileiras?
AC: Sim. Como usamos a vacina VOP no nosso calendário, isso significa que teremos eliminação dele pelas fezes de indivíduos vacinados.
Por isso, além da baixa cobertura vacinal, sabemos que a falta de tratamento de esgoto e de saneamento básico no país contribuem para o aumento do risco de vermos novos casos da doença em breve.
Quais medidas podem ser feitas agora para acompanhar a situação por aqui?
AC: Seria fundamental aumentar o estímulo à vacinação. O Ministério da Saúde está em campanha para a imunização da pólio, bem como para outras doenças com baixa cobertura, como o sarampo.
Associações médicas nacionais também têm criado coalizões para divulgar a importância de se manter o calendário vacinal em dia, já que a vacinação é a única forma de impedir a infecção pelo poliovírus.
Fonte: Ministério da Saúde