AVC não é doença exclusiva de idoso; entenda
Jovens e pessoas com baixo risco também podem apresentar o problema
Uma dor de cabeça súbita e persistente, uma sensação de mal-estar, uma dificuldade em se mexer ou em falar. Estes são alguns dos sintomas mais comuns de quem sofre um acidente vascular cerebral, popularmente chamado de AVC ou derrame.
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O problema é hoje considerado a segunda causa de mortes no mundo e a terceira causa de morte e incapacitação combinada, de acordo com o relatório Global Burden of Disease de 2021 (feito com dados colhidos em 2019). Não à toa o dia 29 de outubro foi instituído como o Dia Mundial de Combate ao AVC.
No Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam que, a cada cinco minutos, uma pessoa morre em decorrência da doença, somando mais de 100 mil mortes todos os anos. E, embora os casos sejam menos comuns em pessoas abaixo dos 40 anos, é cada vez mais frequente o número de jovens que enfrentam o problema.
Dados da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC Nacional) e consolidados pelo portal R7, por exemplo, indicam que o número de óbitos de indivíduos entre 20 e 59 anos por AVC, em 2019, no Brasil, estava em 17,2%. Em 2021, ele chegou a 20%.
Já a World Stroke Organization (WSO) afirma que, em 2019, 63% dos AVCs ocorridos no mundo foram em pessoas abaixo dos 70 anos – indicando que a doença não é mais uma exclusividade dos idosos.
Uma das hipóteses levantadas para isso seria que os fatores de risco cardiovascular – como colesterol alto, tabagismo e sedentarismo – hoje estão mais comuns em faixas etárias mais jovens e não apenas entre os idosos.
É o que diz um estudo recente publicado na revista Stroke, da Associação Americana do Coração, que vem trabalhando para aumentar a conscientização a respeito do tema.
“Esses fatores vão, aos poucos, criando condições para que ocorram entupimentos arteriais, o que aumenta o risco de um deles ocorrer no cérebro”, afirma Thiago Taya, neurologista e neuroimunologista do Hospital Brasília, da Dasa.
O que é um acidente vascular cerebral?
O AVC ou acidente vascular cerebral acontece quando há uma interrupção de fluxo de sangue para alguma parte do cérebro. Com isso, os neurônios – células nervosas – deixam de receber oxigênio e podem ser danificadas e/ou morrer.
Os AVCs podem ser de dois tipos:
- AVC do tipo hemorrágico: conhecido como “derrame cerebral”, ele ocorre quando há o rompimento de um vaso que leva sangue ao cérebro, provocando uma hemorragia no órgão.
- AVC do tipo isquêmico: é considerado o tipo mais comum. Neste caso, um coágulo impede a passagem do sangue no vaso ou artéria, impedindo o fluxo para o órgão.
Nos dois casos, os sintomas apresentados podem ser os mesmos. Uma pista importante é a intensidade dos sintomas: quando o fluxo de sangue é interrompido, eles surgem de forma súbita e intensa – ou seja, a pessoa está bem e, de uma hora para outra, começa a se sentir muito mal.
Os sintomas mais comuns para AVC são:
- Diminuição de força de um lado do corpo;
- Fala embolada;
- Boca torta;
- Visão dupla;
- Perda de campo visual;
- Vertigem;
- Perda de sensibilidade de um lado do corpo;
- Confusão mental e desorientação.
AVC em mulheres: por que elas são as maiores vítimas?
Aos 22 anos, a jornalista Paula Bezerra estava em casa em uma noite normal quando começou a sentir-se mal. “Mas eu sofro com enxaqueca desde criança, então, não dei bola para a dor”, lembra.
Mas Paula estava tendo um AVC. Ela foi encontrada no quarto, desacordada, com o olho roxo e arranhões pelo braço, pois sofreu uma convulsão enquanto a hemorragia ocorria no cérebro.
Levada ao hospital, inicialmente os médicos suspeitaram que pudesse ser uma crise de ansiedade – algo comum, de acordo com um relatório feito pelo periódico The Lancet, que afirma que as doenças cardiovasculares continuam sendo “pouco estudadas, pouco reconhecidas, pouco diagnosticadas e pouco tratadas”.
O quadro de Paula foi considerado grave, já que ela teve não apenas um, mas dois AVCs: o hemorrágico, que inicialmente a levou ao hospital; e outro, dias depois, dessa vez, isquêmico.
Paula não é exceção: cada vez mais estudos chamam a atenção para a diferença no número de casos de AVCs em mulheres, que costuma ser mais alto do que em homens.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a American Heart Association estima que, por ano, são 55 mil casos de AVC a mais em mulheres do que em homens. Já o relatório do The Lancet afirma que essa é a segunda causa de morte de mulheres no mundo (só perdendo para as doenças isquêmicas do coração).
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Mas por que isso ocorre? De acordo com Marcele Schettini, neurologista do Hospital Santa Paula, em São Paulo, embora homens e mulheres tenham os mesmos fatores de risco, elas têm alguns adicionais, como alterações hormonais, complicações da gestação, menopausa e até o início da menstruação.
“A gravidez e o puerpério, por si só, já aumentam o risco de trombose”, afirma a especialista. “A reposição hormonal tardia e por via oral também representa um risco, além de combinações como anticoncepcional, tabagismo e enxaqueca com aura, que também aumentam o perigo”, afirma.
Foi o caso de Paula, que não fumava e tinha uma vida saudável – mas tinha enxaqueca e usava anticoncepcional há algum tempo. “Todos os exames deram inconclusivos, então o médico, por exclusão, concluiu que a causa foi o uso da pílula”, disse.
Diversos estudos apontam que o uso do anticoncepcional aumenta em pelo menos duas vezes o risco de AVC isquêmico em mulheres, em comparação com aquelas que não fazem uso da medicação.
Por isso, de acordo com Letícia Rebello, neurologista do Hospital Brasília, é preciso levar em conta esses fatores específicos quando falamos da população feminina. “O uso de anticoncepcional oral, principalmente associado ao fumo ou em mulheres com mais de 40 anos, pode aumentar o risco para o problema”, alerta.
Tratamentos para AVC: quais são eles?
Seja isquêmico ou hemorrágico, é importantíssimo que o atendimento médico seja feito o mais rápido possível para reduzir o risco de morte e de sequelas graves – já que, enquanto o fluxo de sangue permanece interrompido, o cérebro vai perdendo células nervosas rapidamente.
A estimativa é de que, a cada minuto sem oxigênio, quase dois milhões de neurônios são afetados. “Eles deixam de funcionar e causam déficits neurológicos que vão variar de acordo com a localização e a extensão do problema no cérebro”, explica Daniel Abud, neurorradiologista intervencionista do Hospital Nove de Julho, de São Paulo.
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A boa notícia é que existem tratamentos eficientes já na fase aguda do problema, ou seja, quando a hemorragia ou o coágulo estão ativos no cérebro. O primeiro é a trombólise, uma medicação injetada na veia para dissolver o trombo. A segunda é a trombectomia, uma intervenção via cateter que remove o coágulo que está entupindo o vaso sanguíneo.
“Mas temos uma janela de tempo de 4,5 horas para poder utilizar a trombólise e de até 16 horas para a trombectomia”, explica Marcus Tulius, neurologista do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN).
Por isso, segundo ele, é de extrema importância que o paciente seja encaminhado para um hospital em que a emergência tenha tratamento específico para a doença.
“Quanto mais rápido o paciente chega a uma emergência com protocolos dedicados à doença, mais chances ele tem de sobreviver e não ter sequelas”, diz o neurologista.
Nesse sentido, a tecnologia mais uma vez dá uma força para ajudar. Criado pela Rede Brasil AVC, o aplicativo AVC Brasil é gratuito e relaciona os hospitais com tratamento dedicado aos pacientes com AVC que estão mais próximos, de acordo com a localização do celular.
“Saber exatamente para onde ir quando surge a suspeita do problema é fundamental para aumentar as chances de um desfecho positivo”, avalia o especialista.
Sobrevivendo ao AVC: sequelas e reabilitação
De acordo com Marcus Tulius, infelizmente, ainda hoje, grande parte das sequelas que acontecem em decorrência do AVC ocorrem porque a pessoa chega tardiamente ou não recebe o tratamento adequado.
Os tipos e a intensidade das sequelas vão variar de acordo com a área do cérebro afetada. Paralisia de partes do corpo, falta de sensibilidade em algumas regiões, dificuldade de fala e compreensão (chamada afasia), problemas relacionados à visão e déficit de memória estão entre as sequelas mais frequentes entre pacientes de AVC.
“O impacto do AVC é imensurável”, afirma a neurologista Letícia Rebello. “Muitas vezes, as sequelas afetam todo o contexto social do paciente e impedem que ele volte ao trabalho ou ganhe limitações em suas atividades do dia a dia”, diz.
Falando devagar e com dificuldade de escolher as palavras certas, a dona de casa Adriana Roberto Ozório, de 47 anos, relembra o AVC que teve há cerca de um ano enquanto estava em casa numa tarde tranquila passando café para o marido.
Só de noite, após cinco horas, é que ela foi transferida para uma unidade hospitalar especializada. A essa altura, ela já havia perdido a consciência – e permaneceu assim por quatro dias.
Adriana, que passou ao todo nove dias internada, acordou com o lado direito do corpo paralisado. O AVC, isquêmico e considerado extremamente grave, havia afetado sua mobilidade, especialmente a da mão direita, e a fala.
Ao todo, foram três tentativas de desobstrução. Três dias depois de ser liberada para casa, Adriana ainda precisou voltar ao hospital ao ser constatado um novo coágulo, dessa vez, na perna. Foram mais três dias de internação até novamente ser liberada.
Adriana, descobriu-se depois, tinha uma mutação para o Fator V de Leiden, uma condição genética que aumenta o risco de trombose – o que foi piorado pelo uso de anticoncepcional.
“Não aceitei a cadeira de rodas”, relembra ela, que preferia “se arrastar pela casa” a usar o objeto. “O neurologista disse que eu vou recuperar entre 70% e 80%, mas não aceito. Eu quero o 100%”, afirma, determinada.
Hoje, Adriana já consegue realizar atividades como estender a roupa e tomar banho, além de conseguir se comunicar bem. Também conta com a ajuda de uma amiga, que a acompanha durante o dia para ajudá-la, já que ainda tem dificuldades para andar.
O estado em que está hoje foi graças ao acompanhamento com uma equipe multidisciplinar que inclui psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e nutricionista, além do neurologista.
Esse acompanhamento é fundamental para que o paciente consiga mobilizar novas áreas do cérebro e, dessa forma, recuperar o máximo possível de funções cognitivas perdidas.
“Quando falo da história, eu só agradeço”, diz, emocionada. “Eu estou viva, estou aqui. E é isso o que importa.”
Você é médico/a e quer se aprofundar no tema? Confira o Guia do Cuidado do AVC, elaborado pela Dasa, clicando aqui.