Miosite (miopatia autoimune sistêmica): quando o sistema imune ataca os próprios músculos, causando fraqueza
Doença autoimune pode ter diferentes tipos e ser confundida com outras condições; saiba identificar os sintomas
Doença autoimune pode ter diferentes tipos e ser confundida com outras condições; saiba identificar os sintomas
Fadiga e dor muscular são sintomas bastante comuns. Muitas vezes, podem ser só um indício de sobrecarga nos treinos ou até mesmo das atividades diárias. Mas também podem indicar uma doença mais séria e rara, conhecida como miosite.
Essa condição acontece quando o próprio corpo passa a atacar os músculos. Siga a leitura e conheça suas causas, tipos, sintomas e tratamentos disponíveis.
Neste artigo, você vai ler:
Miosite: o que é?
A miosite compõe um grupo de doenças raras (0.5 a 8.4 casos/milhão de habitantes) que causam principalmente inflamação e fraqueza dos músculos. Afeta principalmente pessoas entre 40 e 55 anos, mas pode acometer crianças e idosos.
A inflamação é causada por uma falha no sistema imunológico, que está muito reativo e ataca as fibras musculares saudáveis. Esse ataque contínuo deixa os músculos inflamados, fracos e, às vezes, doloridos. E, por ser uma doença sistêmica, em alguns casos, a inflamação pode também atingir outras partes do corpo. Entre elas estão a pele, as articulações, os pulmões, o coração e o intestino.
Sintomas da miosite
O principal sintoma da miosite é a fraqueza nos músculos. Geralmente, ela piora lentamente ao longo de semanas ou meses. E costuma afetar os dois lados do corpo e ser sentida nos músculos proximais, que são os mais perto do tronco, como os dos ombros, braços, pelve e coxas.
A sensação de cansaço extremo e persistente também é muito comum. A fadiga pode ser debilitante e não melhora apenas com o repouso. Além disso, outros sinais e sintomas que podem estar presentes são:
- Dor muscular (mialgia) ou sensibilidade nos músculos.
- Dificuldade para realizar tarefas cotidianas, como levantar de cadeiras baixas, subir escadas ou erguer objetos.
- Dificuldade para engolir (disfagia).
- Falta de ar.
- Dor no peito (inflamação do músculo do coração).
- Lesões de pele avermelhadas ou arroxeadas (principalmente na dermatomiosite).
- Febre e perda de peso.
Tipos de miosite
As formas mais comuns de miosite são a dermatomiosite, a polimiosite, miosite por corpúsculo de inclusão e a miopatia necrotizante imunomediada. A seguir, conheça os principais tipos:
Dermatomiosite
Este tipo afeta tanto os músculos quanto a pele. Além da fraqueza muscular, pode causar manchas e lesões avermelhadas ou arroxeadas. Elas costumam aparecer nas regiões expostas ao sol: rosto, pálpebras, peito, costas e nas articulações dos dedos (pápula e sinal de Gottron).
Falta de ar e engasgos podem acontecer em casos mais graves, especialmente se ocorre o comprometimento dos músculos respiratórios e do sistema gastrintestinal.
Pode aparecer associada a algum câncer (15% a 25%), principalmente de ovários, mama e útero nas mulheres.
Polimiosite
Aqui, a inflamação se concentra nos músculos, e a fraqueza é o principal sintoma. A polimiosite afeta principalmente os músculos mais próximos do tronco como os dos ombros, quadris e coxas. E isso dificulta atividades simples como levantar-se de uma cadeira e carregar objetos.
Miosite por corpos de inclusão (MCI)
É mais rara que as outras, sendo mais comum em homens com mais de 50 anos. Diferentemente das outras, a fraqueza pode ser assimétrica. Os músculos dos flexores dos dedos e da parte da frente da coxa são afetados preferencialmente. Também é comum que os portadores do distúrbio tenham dificuldade para segurar objetos e que os tropeços e quedas sejam frequentes.
Miopatia necrosante imunomediada
É uma forma rara e grave de miosite. Nela, o sistema imune ataca as células musculares de forma tão intensa que as destrói causando necrose. A fraqueza muscular pode evoluir rapidamente. Várias vezes está associada a uso de determinadas medicações e a câncer.
Principais causas
Na maioria das vezes, a condição surge de repente, e não há uma certeza sobre o que exatamente desperta essa reação.
Apesar de não haver um consenso, acredita-se que uma predisposição genética é combinada a alguns fatores ambientais, que podem funcionar como um gatilho. Pessoas que já têm outras doenças autoimunes, por exemplo, apresentam um risco maior de desenvolver o problema.
Entre os possíveis fatores associados ao início da miosite estão:
- Infecções: alguns agentes infecciosos, como vírus, podem desencadear a inflamação muscular.
- Medicamentos: o uso de certos remédios contínuos pode levar bem mais raramente à miosite. As estatinas, para controle do colesterol, e uma classe de medicamentos mais nova contra o câncer chamada de inibidores de checkpoint são exemplos citados por especialistas, embora o uso dessas medicações não seja necessariamente a causa da miosite
- Outros gatilhos: o contato com substâncias tóxicas, traumas, desequilíbrios nos níveis de eletrólitos e até mesmo doenças hereditárias também são apontados como possíveis causas para o distúrbio.
Riscos
A miosite não tratada pode levar a graves consequências relacionadas a falta de ar, problemas cardíacos e pneumonia por aspiração, além das consequências relacionadas à perda de mobilidade como trombose. Isso porque os músculos estão presentes em vários sistemas do nosso corpo.
Qual médico procurar?
O médico mais indicado para diagnosticar e tratar a miosite é o reumatologista. Isso porque é quem cuida de doenças inflamatórias e autoimunes que afetam o sistema musculoesquelético.
Contudo, dependendo dos sintomas e das complicações, outros especialistas podem ser envolvidos, como neurologista, cardiologista e dermatologista. Fisioterapeutas e fonoaudiólogos também são parte da equipe de tratamento.
Diagnóstico da miosite
No diagnóstico de miosite, o médico combina a análise dos sintomas com os resultados de vários exames. Dentre eles, os primeiros costumam ser os exames de sangue. Eles servem para medir os níveis de enzimas musculares, como a creatina quinase (CK) e aldolase.
Quando os músculos estão inflamados, eles liberam grandes quantidades dessas enzimas no sangue. O exame também busca por autoanticorpos específicos, que ajudam a confirmar a natureza autoimune e o tipo de miosite.
Além disso, hoje em dia está disponível nos laboratórios um painel específico de autoanticorpos usado para o diagnóstico das miosites.
Há ainda outros testes que podem ser solicitados para confirmar o diagnóstico. Entre eles:
- Eletroneuromiografia (ENMG): avalia a saúde dos músculos e dos nervos que os controlam. Ele ajuda a diferenciar a fraqueza causada pela miosite de outras doenças neurológicas.
- Ressonância magnética dos músculos: exame de imagem não invasivo que permite visualizar quais músculos estão inflamados e se há algum dano permanente, como a substituição do tecido muscular por gordura, que possa orientar uma biópsia.
- Biópsia muscular: é considerado o exame definitivo. Um pequeno pedaço de tecido muscular é retirado para análise em laboratório. A biópsia permite observar a inflamação e os danos diretamente nas células musculares, confirmando o tipo de miosite.
O diagnóstico dessas condições algumas vezes é mais difícil, e sempre requer a utilização de dados clínicos e de exames complementares.
Tratamentos para a miosite
A miosite é uma doença crônica que pode cursar com fases de agudização. Mas isso não quer dizer que não há o que fazer. O objetivo do tratamento é aliviar os sintomas e controlar a inflamação, para reduzir a possibilidade de que algo grave ocorra, até que a doença entre em remissão. Ou seja: até que haja pouca ou nenhuma atividade inflamatória, o que permite uma melhora significativa na qualidade de vida.
Para alcançar esse controle, a primeira linha de tratamento para a maioria das formas da doença, como a polimiosite e a dermatomiosite, costuma ser o corticoide. Ele tem efeito anti-inflamatório potente para reduzir rapidamente a inflamação provocada pelo ataque do sistema imune aos músculos.
Como o uso de corticoides por muito tempo pode ter efeitos colaterais, os médicos geralmente associam ou substituem por outros medicamentos, a exemplo dos imunossupressores. O metotrexato, a azatioprina, o micofenolato de mofetila e até a ciclofosfamida (que é feita intravenosa) podem ser prescritos para ajudar a “poupar” o uso de corticoides. Eles também controlam a resposta exagerada do sistema imunológico a longo prazo.
Outros tratamentos como a imunoglobulina intravenosa (IVIG), e agentes biológicos como Rituximabe (anti CD-20), Tocilizumabe (anti-IL-6) e o Abatacept (CTLA-4-Ig) seriam opções de alto custo, para casos graves ou que não respondem bem às terapias iniciais.
Além da terapia medicamentosa, a fisioterapia é parte fundamental do tratamento. Ela ajuda a recuperar a força muscular, melhorar a flexibilidade e a função geral do corpo.
Para pacientes com dificuldade de deglutição (disfagia), um fonoaudiólogo pode ensinar exercícios para fortalecer os músculos envolvidos na deglutição.
Prevenção
Por se tratar de uma doença majoritariamente autoimune, seu desenvolvimento não está ligado a hábitos que possam ser modificados para evitar o problema. O foco principal está no diagnóstico precoce para iniciar o tratamento e evitar a progressão da doença em alguns casos.