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Burnout se tornou doença do trabalho; o que muda?

Síndrome do esgotamento profissional foi reconhecida pela OMS como doença ocupacional em 2022

Por Danielle SanchesPublicado em 08/06/2022, às 16:15 - Atualizado em 14/06/2023, às 14:26
Foto: Shutterstock

O que era para ser um jantar divertido entre amigos acabou se tornando uma noite dramática na vida da jornalista Fernanda*, de 24 anos. “Cheguei na porta do restaurante e não conseguia entrar, só chorava”, relembra ela, que passou a noite entre tentativas de aproveitar o encontro e muitas lágrimas. “Eu me recuperava, entrava e logo recomeçava a chorar. Lá pela quinta vez, eu entendi que aquilo era causado pelo momento ruim que eu vivia no trabalho”, diz.  

Após procurar ajuda médica, Fernanda foi diagnosticada com Burnout, condição também chamada de Síndrome do Esgotamento Profissional. Em 2022, o problema foi reconhecido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como “uma síndrome resultante de estresse crônico mal gerenciado no trabalho”, de acordo com o CID (Classificação Internacional de Doenças) da entidade.  

Em outras palavras, o quadro é caracterizado pela sobrecarga de tarefas no trabalho e, muitas vezes, pela cobrança excessiva de gestores por resultados difíceis de serem alcançados. O funcionário, assim, sente-se incapaz de cumprir as demandas e passa a viver em um estado constante de angústia e sofrimento psicológico. 

É um quadro crescente no mundo todo e, em especial, no Brasil – considerado um dos países com maior número de ansiosos no mundo, de acordo com a OMS, e o segundo na lista de nações com mais profissionais sofrendo de Burnout, de acordo com a ISMA-BR (International Stress Management Association no Brasil). A entidade afirma ainda que cerca de 30% dos trabalhadores no país convivem com o problema. 

Mas o prejuízo da doença não é apenas dos trabalhadores. Dados da ANAMT (Associação Nacional de Medicina do Trabalho) estimam que até 3,5% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional é perdido com despesas relacionadas aos males do estresse no ambiente corporativo.  

Diante desse cenário, a nova classificação da síndrome pela OMS promete ajudar a jogar mais luz sobre o tema, estimulando as pessoas a buscarem ajuda e as empresas a criarem formas de prevenir o problema.  

“Não é de hoje que as companhias perceberam que cuidar da saúde dos funcionários é melhor do que tratar a doença”, afirma Paulo Sardinha, presidente da ABRH Brasil (Associação Brasileira de Recursos Humanos). “O reconhecimento do problema pela OMS vai estimular ainda mais essa busca por formas de evitar que o indivíduo chegue nesse ponto de esgotamento”, acredita.  

Mesmo assim, Sardinha reconhece que ainda existem empresas que precisam de mais incentivos legais para investir nessa área. É o caso da empresa em que trabalhava Fernanda. Embora fosse conhecida e famosa, a companhia não se preocupava com o ambiente tóxico de trabalho criado em torno da busca por produtividade.  

Fernanda, recorda-se, sentia-se constantemente cobrada por entregas com prazos curtos e foi pressionada a realizar atividades fora do seu escopo inicial sem receber nada a mais por isso.  

A situação se tornou insustentável quando a empresa passou a atrasar os pagamentos, aumentando ainda mais o nível de estresse da situação. “Foi quando precisei pegar trabalho extra para pagar minhas contas e acabei ficando com um volume insano de atividades”, afirma.  

Alguns meses depois, ela decidiu pedir demissão e buscar ajuda médica para superar a situação. 

Arte: Andrea Petkevicius

Entendendo o diagnóstico: quais os sintomas do Burnout?  

 Na maioria das pessoas, os sintomas do Burnout começam de forma leve e vão piorando ao longo do tempo. Por isso, é comum que indivíduos sofrendo com o quadro pensem que é algo transitório – o que pode ser muito perigoso, já que a doença, quando não tratada, evolui rapidamente para quadros de ansiedade e depressão.  

De acordo com a definição mais recente da OMS, o diagnóstico de Burnout deve incluir três sintomas:  

  • Sentimento de exaustão ou falta de energia para realizar as tarefas; 
  • Distanciamento afetivo do trabalho e/ou sentimentos negativos a respeito dele ou da própria carreira; 
  • Queda na produtividade.  

Mas esses não são os únicos sinais de que o problema está instalado, já que o estresse crônico também provoca problemas físicos que vão além das questões emocionais.  

“Quando estamos nesse ponto de esgotamento, o nosso corpo fica inflamado e alguns processos ficam descompensados”, afirma o psiquiatra Pedro Shiozawa, professor na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e fundador da Jungle Medical, startup focada em saúde mental para empresas.  

 Entre os sinais físicos que o corpo dá, os mais comuns são: 

  • Dor de cabeça frequente;
  • Infecções recorrentes (como gripes e resfriados) por queda na imunidade;
  • Alterações de apetite (mais ou menos fome que o habitual);
  • Dificuldade de concentração;
  • Aumento da pressão arterial;
  • Dores musculares;
  • Episódios frequentes de diarreia;
  • Gastrite;
  • Fadiga;
  • Insônia;
  • Irritabilidade e alterações de humor. 

Problemas gástricos foram o sinal de alerta para a professora universitária Amanda*, de 42 anos. Em 2020, ela conviveu por meses com dores no estômago e na cabeça, além de muita náusea – sintomas que pioravam nas semanas em que ela estava mais dedicada ao trabalho.  

Em outro episódio, em 2021, também em uma semana cheia de demandas no trabalho, uma crise de enxaqueca aliada a uma sinusite fizeram com que ela precisasse ser socorrida no pronto-atendimento com sensação de formigamento difuso no corpo. “Eu achava que estava tendo um AVC e que iria morrer, não tinha controle do meu corpo”, lembra.  

Além disso, a professora afirma que costuma ter insônia e sentir-se exausta. “Eu penso em trabalho o tempo todo”, afirma. “Minha autocobrança e autoexigência são constantes e eu só vou parar quando meu corpo fica no limite e pifa”, revela ela, que preferiu buscar auxílio na acupuntura para se tratar. 

Qual a diferença entre Burnout e outras doenças mentais?  

De acordo com Pedro Shiozawa, a principal diferença entre o Burnout e outras doenças como ansiedade e depressão – que até têm alguns sintomas semelhantes – é que a síndrome está diretamente relacionada ao ambiente de trabalho. 

“No caso dos outros transtornos, há critérios específicos de avaliação”, explica. “O indivíduo perde funcionalidade em vários aspectos da vida, enquanto no Burnout, essa perda de funcionalidade e sofrimento acontecem apenas no trabalho”, afirma.  

No entanto, é importante lembrar que o Burnout, quando não tratado adequadamente, pode evoluir para doenças mentais como ansiedade e depressão e necessitar de intervenções médicas mais profundas.  

Além disso, o Burnout também não deve ser confundido com o cansaço ocasionado por períodos pontuais – ou seja, bem definidos e temporários – de grande volume de trabalho. “Todos nós provavelmente já passamos por um momento mais intenso no trabalho, o que não significa que estávamos doentes”, explica Shiozawa. 

Arte: Andrea Petkevicius

Qual é o melhor tratamento para Burnout?  

O tratamento recomendado para quem está sofrendo com Burnout é a psicoterapia, que irá ajudar a organizar as expectativas diante do trabalho e a lidar melhor com o estresse de situações desafiadoras.  

No entanto, se o médico achar conveniente, pode também recomendar o uso de medicamentos, como antidepressivos e ansiolíticos, para ajudar no controle dos sintomas. No geral, em cerca de três meses, o tratamento já apresenta efeito – mas a duração total varia de caso a caso e só pode ser determinada por um médico especialista.  

De fato, apenas o tratamento para o Burnout não é suficiente para resolver todo o problema. “É preciso ressignificar o lugar do trabalho na vida do indivíduo, buscar diálogo no ambiente corporativo e se afastar de relações profissionais desgastantes”, orienta Lucas Mendes de Oliveira, psiquiatra do Hospital Brasília/Dasa. 

Em alguns casos, uma conversa franca com as lideranças já é suficiente para encontrar um novo propósito no trabalho e reduzir o volume de cobranças. Em outros, no entanto, a demissão e até uma mudança de profissão é, sim, a melhor opção para evitar um desgaste ainda maior para a saúde.  

Abrir mão do emprego fixo foi a decisão do empresário Douglas Marques Ferreira, de 42 anos, que atua no mercado de compras. Em 2020, ele mantinha um cargo CLT em uma companhia enquanto tocava a própria empresa de conteúdo e treinamento.  

Quando a pandemia do novo coronavírus chegou, ele migrou para o home office – e foi aí que as coisas desandaram. “As minhas duas atividades se misturaram, eu fazia longos turnos de trabalho e não parava nunca”, relembra. “Eu ficava tão focado que precisava colocar na agenda que tinha que ligar para a minha mãe”, diz. 

Os sintomas físicos logo chegaram e Douglas passou a sentir taquicardia, falta de ar e muito cansaço, especialmente às segundas-feiras. Também sentia crises de ansiedade antes de reuniões, algo que nunca acontecia. “Eu comecei a falhar em momentos comuns, simplesmente não conseguia fazer reuniões”, conta.  

Ao procurar um psiquiatra, o hoje empresário foi diagnosticado com Burnout e afastado da empresa em que trabalhava como funcionário fixo. Também passou a fazer uso de medicamentos e a frequentar sessões de psicoterapia.  

Ao longo do processo, Douglas decidiu que era melhor pedir demissão e dedicar-se apenas à própria empresa, desenvolvendo conteúdo e palestras para o mercado de compras. “Hoje eu tenho horário para comer, faço minhas pausas e não abro mão do tempo com a minha família”, diz.  

Adicionalmente, colocar na agenda a prática de exercícios físicos e momentos de relaxamento são fundamentais para aliviar o estresse – que não vai sumir magicamente da vida cotidiana, mas pode ser gerenciado e manejado de forma apropriada.  

Vivendo a vida pós-Burnout  

Embora o grande desafio seja superar a síndrome e aparar as arestas para que o evento não ocorra novamente, conviver com um histórico de Burnout também pode se tornar desafiador.  

A jornalista Fernanda, por exemplo, diz que não costuma falar sobre o assunto com ninguém. “Tenho medo de me prejudicar, de acharem que eu não sou capaz de realizar meu trabalho”, afirma ela, que chegou ao ponto de não sentir mais prazer na profissão. “Fiquei meses sem gostar do que eu fazia, mas hoje me sinto um pouco mais disposta”, diz.  

O mesmo aconteceu com a professora universitária Amanda, que pediu para não se identificar justamente para evitar sentir na pele qualquer tipo de preconceito. “Eu tenho tanto medo de qualquer coisa que prejudique meu trabalho que prefiro não falar sobre o assunto para evitar que pensem que eu não consigo trabalhar direito”, revela.  

Para a psicóloga clínica Carolina Mirabeli, que também é consultora de desenvolvimento e carreira, embora esse receio seja comum, é importante falar sobre o assunto e desmistificar o problema. “Precisamos ter consciência de que Burnout pode acontecer com qualquer pessoa”, afirma. “Todos estamos suscetíveis, principalmente em um mundo com tantos conflitos e situações estressantes acontecendo ao mesmo tempo”, diz.  

Para ela, manter o diálogo aberto sobre o assunto com as lideranças e a empresa é uma forma de buscar alternativas para gerenciar o estresse que causou todo o quadro. “É preciso um trabalho em conjunto para que isso não volte a ocorrer”, acredita.  

Arte: Andrea Petkevicius


* o nome original foi trocado a pedido das entrevistadas 

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