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Como a covid-19 afeta a fertilidade masculina?

Capacidade de produzir espermatozóides viáveis foi alterada em alguns pacientes

Por Danielle SanchesPublicado em 22/04/2022, às 14:34 - Atualizado em 25/05/2023, às 14:05
Representação de espermatozoidesFoto: Shutterstock

Dentre tantos mistérios ainda a serem desvendados durante a pandemia do novo coronavírus, um deles é a infertilidade desenvolvida por pacientes homens que foram infectados pelo Sars-CoV-2. Os dados, embora preliminares, indicam que o quadro pode ser uma das sequelas da doença, que ainda tem seus efeitos a longo prazo sendo estudados.

Uma das pesquisas mais comentadas sobre o tema foi realizada pelo urologista brasileiro Jorge Hallak, professor da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Em seu estudo, ele e uma equipe de especialistas observaram que os exames de fertilidade e hormonais (em especial, a testosterona) de pacientes masculinos afetados pela covid-19 permaneciam alterados por vários meses após a infecção.

Feita com 26 indivíduos, a análise mostrou por meio de exames de ultrassom que mais da metade deles apresentava inflamação grave no epidídimo, estrutura responsável pelo armazenamento dos espermatozóides nos testículos e onde essas células adquirem sua capacidade de locomoção (habilidade essencial para efetuar a fecundação do óvulo uma vez que esteja no organismo feminino).

Outro estudo, também feito por um grupo de especialistas brasileiros, avaliou 11 amostras testiculares de pacientes que morreram de covid-19 e mostrou uma total ausência de espermatozóides, mesmo nos indivíduos jovens. A presença de microtrombos (coágulos) que impediam a oxigenação do tecido e ainda lesões nos tubos seminíferos (onde os espermatozóides são produzidos) foram apontados como os principais problemas encontrados nas amostras.

Como isso acontece?

A covid-19 é considerada uma doença que aumenta o risco para a formação de coágulos em órgãos como pulmão e rins – uma das complicações dos pacientes que desenvolvem a forma grave da infecção é justamente a presença de trombos que impedem o funcionamento deles.

Isso ocorre porque esses órgãos são ricos em um receptor celular chamado ECA2 (ou ACE2, em inglês), justamente as estruturas celulares que o Sars-CoV-2 utiliza para penetrar nas células humanas e invadir o organismo. O que parece ficar claro é que os testículos têm um alto número desses receptores e, por isso, existe a chance da presença do microrganismo provocar uma orquite, uma infecção nos testículos.

Representação do Sars-CoV-2Foto: Shutterstock

Isso, no entanto, ainda precisa ser confirmado por mais dados. “Ainda não temos evidências que mostrem isso de forma consistente”, afirma Dalmo de Barros, membro do Departamento de Reprodução da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), que lembra que os estudos, embora consistentes, foram feitos com amostras pequenas de pacientes. “Esses pacientes poderiam ter algum problema anterior que se agravou com a infecção e o processo inflamatório causado pelo vírus, por exemplo”, diz.

A atual hipótese de que o Sars-CoV-2 afete os testículos, ele explica, é feita com base em outras infecções virais – como a caxumba – que também interferem na fertilidade e na produção hormonal masculina. “Mas a doença ainda é nova e precisamos de mais tempo para entender as suas consequências”, acredita.

Outra possibilidade é que a simples evolução grave da doença possa interferir na produção das células reprodutoras masculinas – algo que aconteceria em qualquer outra infecção que provocasse um quadro grave e debilitante. “Qualquer doença febril e que provoque internação prolongada, por exemplo, pode diminuir a produção de espermatozoides”, afirma Guilherme Wood, urologista do Hospital 9 de Julho e especialista em reprodução humana da clínica Huntington Medicina Reprodutiva, ambos em São Paulo.

E agora, devo me preocupar ou não?

Embora os estudos ainda precisem de aprofundamento, os especialistas concordam que os casos analisados não são isolados e a infertilidade masculina pode, sim, ser afetada tanto pelos casos assintomáticos e leves como pelos graves da covid-19.

No entanto, ainda não está claro qual o mecanismo que leva a esse resultado – ou seja, se o problema é provocado pela atuação direta do vírus nos testículos ou se a inflamação e os problemas que a infecção acarreta no organismo é que acabam provocando uma queda no número de espermatozóides.

Mas ao que tudo indica, essa queda parece ser transitória. “O homem renova seu estoque de espermatozóides a cada três meses”, explica Fernando Prado, ginecologista e obstetra especialista em reprodução humana e especialista pelo Imperial College London, de Londres – Reino Unido. “Assim, é possível que a produção retome um patamar semelhante ao que existia antes da infecção após dois ou três ciclos de renovação dessas células, entre seis e nove meses”, acredita.

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