Brasileiros inovam ao sequenciar RNA do Sars-CoV-2
Pesquisa brasileira usou amostra de uma das primeiras linhagens do vírus no País
Pesquisadores brasileiros conseguiram utilizar uma técnica de leitura para sequenciar o genoma do novo coronavírus com uma resolução 25 vezes maior do que nos métodos tradicionais de sequenciamento.
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Realizada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a pesquisa foi liderada por Marcelo Briones, pesquisador do Centro de Bioinformática Médica da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp). O trabalho foi publicado em artigo na plataforma bioRxiv e ainda precisa ser revisado por outros cientistas especialistas.
Pela relevância, a pesquisa recebeu, em 2021, o Prêmio Dasa de Inovação Médica na categoria “Genômica”. O trabalho contou ainda com a participação de outros pesquisadores: João Henrique Coelho Campos, Luiz Mario Ramos Janini, Fernando Martins Antoneli Jr., Juliana Terzi Maricato e Carla Torres Braconi.
Como a análise foi feita?
Assim como outros coronavírus, o Sars-CoV-2 apresenta RNA como material genético – uma estrutura mais simples que o DNA e que, por isso, costuma ser mais instável. O problema é que essa característica torna mais difícil o sequenciamento do genoma.
O que tradicionalmente era feito, nesses casos, era transformar o RNA do vírus em um DNA complementar, criando uma possibilidade de análise mais clara. Briones, porém, faz uma analogia: se o coronavírus fosse uma pessoa, esse método seria como tentar identificá-lo pela sua sombra.
O especialista, então, decidiu sequenciar o RNA de forma direta misturando a tecnologia baseada em nanoporos – uma técnica que não é inédita, mas ainda recente – e programas de bioinformática, que são a sua especialidade. O resultado foi uma leitura mais refinada do genoma do Sars-CoV-2, com uma precisão 25 vezes maior que o método usual.
Qual a importância disso?
Essa leitura mais precisa do material genético do Sars-CoV-2 permite aos cientistas enxergar de forma mais clara por que algumas cepas são mais virulentas que outras e como elas se tornam capazes de enganar nosso sistema imunológico. Essas informações são importantes para enriquecer estudos de desenvolvimento de novos medicamentos contra o patógeno.
Briones explica que ele e sua equipe conseguiram encontrar cem bases (“partes” pequenas em que se divide o RNA) modificadas que são essenciais para as funções do novo coronavírus. “São parte do que ele precisa para continuar sobrevivendo”, afirma.
Uma vez dentro das células, o patógeno a “obriga” a produzir cópias do RNA; depois, ocorre a metilação, um processo biológico celular que é comum e confere função às modificações do material genético viral. É como se a metilação “explicasse” o que cada parte do material genético precisa fazer para manter o vírus ativo.
O sequenciamento realizado por Briones e equipe mostrou que uma das bases frequentemente modificadas no RNA do vírus é a N6-metiladenosina (m6A), que permite ao Sars-CoV-2 escapar dos interferons – como são chamadas as nossas células de defesa que atuam na linha de frente no combate às infecções virais do corpo.
É, portanto, um alvo de interesse para o desenvolvimento de novas medicações que possam atuar justamente coibindo sua ação. Uma das linhas de pesquisa seria coibir o processo de metilação do RNA viral, desestabilizando suas bases. “O problema é que bloquear demais esse processo interfere também nas células do hospedeiro”, avalia. “Ou seja, precisamos de algo bastante específico”, diz.
Briones ainda reforça que o desenvolvimento da leitura de RNA de vírus deve se desenvolver mais nos próximos anos, permitindo a aplicação da técnica em outros patógenos como zika e dengue – duas arboviroses endêmicas no Brasil.