Covid-19: a relação entre genética e novas vacinas
Conhecer o material genético do vírus viabiliza imunizantes mais eficazes
Assim que o Sars-CoV-2 foi detectado, uma das primeiras atitudes da China foi analisar o genoma do vírus – ou seja, sua composição genética – para entender melhor a estrutura daquele patógeno e como ele conseguia infectar as células do corpo humano.
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Isso aconteceu ainda em 2020, no início da pandemia e, ainda em janeiro daquele ano, quando a pandemia ainda não havia sido decretada, o gigante asiático já havia solucionado o mistério e divulgado o sequenciamento completo do RNA viral.
Por que o sequenciamento genético é importante?
De acordo com José Eduardo Levi, biólogo molecular do laboratório GeneOne, do Grupo Dasa, e pesquisador do Laboratório de Virologia do Instituto de Medicina Tropical da USP (Universidade de São Paulo), o sequenciamento genético do vírus foi – e é – fundamental para entender sua estrutura e ainda acompanhar as mutações e o nascimento das variantes. “Com as informações do vírus original, foi possível detectar onde as mudanças aconteceram nas variantes e o que isso impacta na doença provocada por elas. Além, claro, da possibilidade do desenvolvimento do teste de RT-PCR para Covid-19 em um tempo muito curto”, afirma.
Levi lidera o projeto Genov, que busca acompanhar a evolução do Sars-CoV-2 em tempo real no Brasil ao sequenciar amostras do vírus coletadas no país. Os resultados são depositados periodicamente no GISAID, banco de dados científico global que fornece acesso aberto aos dados genômicos do vírus influenza e do coronavírus.
Além de ajudar no monitoramento do Sars-CoV-2, o sequenciamento genético também permitiu aos cientistas entenderem a importância da proteína S (spike) para o vírus, que a utiliza para infectar as nossas células. E foi justamente ela a escolhida como destaque nas principais vacinas que usamos hoje contra a covid-19.
No caso da Pfizer/BioNTech, por exemplo, que usa a plataforma de RNA mensageiro, a vacina leva a produção da proteína S pelas células humanas, para que o sistema imunológico ative suas defesas e produza anticorpos contra ela.
Já a plataforma de vetor viral, como da vacina Oxford-AstraZeneca, utiliza um vírus comum, alterado geneticamente e incapaz de se multiplicar, com parte da proteína S para estimular as defesas do corpo a reagir contra o invasor.
Para Fernando Spilki, especialista em virologia e coordenador da Rede Corona Ômica, que atua no sequenciamento do genoma de amostras do novo coronavírus no Brasil, e responsável pelo Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade FEEVALE, no Rio Grande do Sul, o sequenciamento também agiliza o processo de atualização das vacinas. “Quanto mais próxima da cepa ‘de campo’ a vacina estiver, maiores as chances de ela ser mais efetiva contra a doença e ainda reduzir as taxas de transmissão”, afirma.
Mudanças à vista
Embora as vacinas sejam eficazes e cumpram seu papel de nos proteger contra formas graves da covid-19, vale dizer que utilizar a proteína S como base delas não é a melhor alternativa. “Como já sabemos, é algo que muda muito por ser estrutural”, avalia Levi.
Ele acredita que, em um futuro próximo, o genoma do vírus – tanto o original de Wuhan como o das variantes – irá ajudar a criar uma vacina mais robusta e duradoura. “A ideia é encontrar algo que seja comum a todos eles e a partir disso, desenvolver o imunizante”, afirma.
O mesmo raciocínio vale para o desenvolvimento de medicamentos, que provavelmente devem ser desenvolvidos com foco não na estrutura do Sars-CoV-2, mas sim no seu processo de replicação, oferecendo um tratamento mais robusto e eficaz ao impedir a multiplicação do microrganismo entre as células do corpo.