Enxaqueca crônica: muito além de uma simples dor de cabeça
Entender seus gatilhos e tratamentos disponíveis é o primeiro passo para viver melhor
A enxaqueca crônica é uma das doenças mais incapacitantes globalmente, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). As dores são frequentes e intensas, o que acaba afetando tanto a vida pessoal quanto a profissional de quem convive com o problema. Siga a leitura e conheça seus sintomas, possíveis causas e as opções de tratamento e prevenção.
Neste artigo, você vai ler:
Enxaqueca crônica: o que é?
A enxaqueca é uma doença neurovascular com base genética que se manifesta através de crises repetidas de dor de cabeça. E o que diferencia a enxaqueca comum da crônica é a duração. Na crônica, a dor intensa dura por mais de 15 dias e se repete por mais de três meses. Esse tipo de enxaqueca corresponde a 10% dos casos.
Além da dor, o paciente pode apresentar sintomas de ansiedade, depressão e dificuldades no sono. A depressão, em particular, é um fator de risco conhecido, aumentando em 58% a chance de uma enxaqueca episódica evoluir para crônica.
Estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas no mundo sofram com enxaqueca crônica. Pessoas com enxaqueca crônica frequentemente fazem uso excessivo de analgésicos, o que pode, paradoxalmente, piorar o quadro.
Possíveis causas para a enxaqueca crônica
A enxaqueca é uma condição de base genética, onde o sistema nervoso de alguns indivíduos é mais sensível a determinados estímulos. E diversos fatores, conhecidos como gatilhos, podem desencadear as crises de enxaqueca nessas pessoas. Entre eles:
- Oscilações hormonais, especialmente em mulheres, devido ao ciclo menstrual;
- Estresse e ansiedade;
- Alterações no padrão de sono (tanto a falta quanto o excesso);
- Jejum prolongado;
- Alimentos e bebidas como queijos maturados, chocolate, frutas cítricas, alimentos muito gelados, processados, álcool (especialmente vinho tinto) e cafeína (tanto o excesso quanto a abstinência);
- Luzes fortes ou piscantes, sons altos e odores intensos (perfumes, fumaça de cigarro, produtos de limpeza);
- Alterações bruscas na temperatura ou pressão atmosférica;
- Medicamentos como anticoncepcionais orais e vasodilatadores. O uso excessivo de analgésicos para tratar as dores de cabeça também pode levar a um “efeito rebote”, cronificando a enxaqueca.
É possível prevenir a enxaqueca crônica?
Para prevenir a enxaqueca crônica é preciso identificar e evitar e/ou manejar os gatilhos, além de adotar um estilo de vida saudável. Embora nem todas as crises possam ser evitadas, especialmente devido ao componente genético, a frequência e a intensidade podem ser reduzidas com medidas como:
- Identificar e evitar gatilhos: manter um diário da dor de cabeça, anotando alimentos, atividades, padrões de sono e outros fatores que antecedem as crises.
- Manter uma rotina regular de sono: dormir e acordar em horários consistentes.
- Evitar longos períodos de jejum e manter uma dieta saudável, possivelmente com redução de alimentos processados, açúcares e gorduras saturadas.
- Prática de exercícios aeróbicos e de fortalecimento podem reduzir o número, a intensidade e a duração dos episódios de enxaqueca. Atenção: é importante manter-se hidratado.
- Gerenciamento do estresse com técnicas de relaxamento como mindfulness, ioga, meditação e respiração profunda.
- Evitar o uso indiscriminado de medicamentos para dor.
Para casos mais frequentes ou graves, um neurologista pode prescrever medicamentos de uso diário para reduzir a ocorrência das crises.
Sintomas de enxaqueca crônica
Os sintomas da enxaqueca crônica são, em sua base, os mesmos da episódica, mas a frequência e persistência aumentam. A dor de cabeça é o sintoma principal e geralmente apresenta as seguintes características:
- Dor pulsátil ou latejante.
- Frequentemente unilateral (em um lado da cabeça).
- Intensidade moderada a severa, e muitas vezes incapacitante.
- Piora com atividades físicas rotineiras, como caminhar ou subir escadas.
- A crise pode durar de 4 a 72 horas se não tratada ou tratada sem sucesso.
Além da dor, outros sintomas são comuns e podem acompanhar a crise de enxaqueca:
- Náuseas e vômitos;
- Sensibilidade à luz;
- Sensibilidade ao som;
- Sensibilidade a odores (osmofobia);
- Tontura e vertigem.
Vale ainda mencionar um tipo específico chamado de enxaqueca com aura, onde a dor de cabeça em si é precedida ou acompanhada por sintomas neurológicos transitórios – chamados de aura – como:
- Pontos luminosos ou escuros, flashes de luz;
- Linhas em zigue-zague (espectro de fortificação);
- Visão embaçada ou perda temporária da visão.
Outros sintomas de aura podem incluir formigamento ou dormência em partes do corpo (geralmente em um lado do rosto ou membro), dificuldade na fala ou fraqueza muscular. Cerca de 20 a 25% das pessoas com enxaqueca experimentam aura.
A aura geralmente se desenvolve gradualmente ao longo de 5 a 20 minutos e dura menos de 60 minutos.
Quando procurar por um médico?
O médico, preferencialmente um neurologista, deve ser procurado em caso de dores de cabeça frequentes, intensas ou que causem incapacidade. São sinais de alerta:
- Dores de cabeça que interferem na sua rotina diária, trabalho ou vida social;
- Dores de cabeça que pioram progressivamente ao longo de dias ou semanas;
- Necessidade de analgésicos para dor de cabeça mais de duas vezes por semana;
- Mudança significativa no padrão usual das suas dores de cabeça;
- Dores de cabeça que se iniciam após os 50 anos;
- Uma dor de cabeça súbita e muito intensa;
- Dor de cabeça acompanhada de febre, rigidez no pescoço, confusão mental, convulsões, visão dupla ou fraqueza/dormência em alguma parte do corpo;
- Dores de cabeça após um traumatismo craniano.
A automedicação, especialmente com analgésicos, pode ser perigosa e levar fazer com que a quadro se trone crônico.
Exames que auxiliam no diagnóstico
O diagnóstico da enxaqueca crônica é primariamente clínico. O médico, geralmente um neurologista, analisa os sintomas do paciente, as características da dor de cabeça, frequência, sintomas associados e o histórico familiar.
Exames de imagem, como tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) do cérebro, não são rotineiramente necessários para diagnosticar a enxaqueca.
Eles costumam ser solicitados quando há características atípicas na dor de cabeça, sintomas neurológicos preocupantes (diferentes da aura típica), ou para descartar outras condições médicas que possam estar causando a dor, como tumores, aneurismas ou outras lesões cerebrais.
Enxaqueca crônica tem cura?
Não existe uma cura definitiva para a enxaqueca, incluindo a enxaqueca crônica – o foco do tratamento é controlar os sintomas, reduzir a frequência e a intensidade das crises, e melhorar a qualidade de vida do paciente.
O tratamento adequado pode incluir mudanças no estilo de vida, terapias não medicamentosas e medicamentos preventivos e para crises agudas.
Tratamentos para a enxaqueca crônica
O tratamento da enxaqueca crônica visa diminuir a frequência e a intensidade das dores de cabeça e reduzir a incapacidade associada. E ele pode ser dividido em duas categorias:
Tratamento agudo (para as crises)
O foco aqui é interromper ou aliviar a dor e os sintomas associados quando uma crise de enxaqueca já começou.
- Analgésicos e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs): podem conter dores leves a moderadas, mas o uso excessivo deve ser evitado para não cronificar a dor.
- Triptanos: medicamentos específicos para enxaqueca que atuam nos receptores de serotonina, ajudando a contrair os vasos sanguíneos dilatados no cérebro. São mais eficazes se tomados no início da crise.
- Gepantes e ditanos: classes mais novas de medicamentos para o tratamento agudo.
- Medicamentos antieméticos: para controlar náuseas e vômitos.
Importante: a medicação para crise precisa ser administrada o mais cedo possível, aos primeiros sinais de dor. Quando a enxaqueca se torna muito intensa, a absorção de medicamentos orais pode ser comprometida.
Tratamento preventivo (profilático)
É indicado para pacientes com crises frequentes, muito intensas ou que não respondem bem ao tratamento agudo. O objetivo é reduzir a frequência, a duração e a intensidade das crises.
- Medicamentos orais: Incluem betabloqueadores (como propranolol), antidepressivos (como amitriptilina), anticonvulsivantes (como topiramato e ácido valproico) e bloqueadores dos canais de cálcio.
- Toxina botulínica tipo A (Botox®): injeções aplicadas em múltiplos pontos na cabeça e no pescoço a cada três meses têm se mostrado eficazes no tratamento preventivo da enxaqueca crônica.
- Anticorpos monoclonais (anti-CGRP): são medicamentos injetáveis mais recentes, especificamente desenvolvidos para a prevenção da enxaqueca, que bloqueiam a ação do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), uma molécula envolvida na dor da enxaqueca.
Além dos tratamentos medicamentosos, podem ser utilizadas medidas como:
- Mudanças no estilo de vida: dieta, sono, exercícios, manejo do estresse;
- Terapia cognitivo-comportamental (TCC), que pode ajudar a lidar com a dor e os fatores de estresse.
- Técnicas de relaxamento;
- Acupuntura;
- Fisioterapia, especialmente se houver tensão muscular associada;
- Neuromodulação: dispositivos que estimulam certos nervos para modular a dor;
Durante uma crise, repousar em um ambiente escuro e silencioso, e aplicar compressas frias na cabeça podem oferecer algum alívio.
Fonte: Dr. Renato Hoffmann – Neurorradiologista