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Melatonina: entenda para quê serve e como usar

Uso inadequado da medicação pode atrasar o diagnóstico de doenças do sono

Por Danielle SanchesPublicado em 22/04/2022, às 14:47 - Atualizado em 25/05/2023, às 13:36
Mulher na cama com problemas para dormirFoto: Shutterstock

Estima-se que 73 milhões de brasileiros sofrem com noites mal dormidas. E isso não é exclusividade nossa: dificuldades na hora de fechar os olhos acometem cerca de 40% da população mundial, de acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde).

O fato de que dormir não é um ato valorizado pela nossa cultura moderna só piora a situação. “As pessoas não entendem que dormir é como comer e respirar, ou seja, uma função vital para o nosso organismo e que pode causar danos graves à saúde se não acontecer”, afirma Alan Eckeli, professor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP (Universidade de São Paulo).

Essa falta de valorização do problema faz com que as pessoas busquem, nas palavras do especialista, “uma pílula mágica” para resolver as dificuldades na hora de dormir. É aí que entra a melatonina, um hormônio produzido naturalmente pela glândula pineal, no nosso cérebro, e que ajuda a regular nosso relógio biológico interno.

Conhecida como “hormônio do sono”, a melatonina indica para o corpo quando ele precisa estar ativo – não somente para ficar em pé ou alerta, como também para manter os órgãos em pleno funcionamento – e quando ele precisa baixar o ritmo para descansar – e isso inclui também as funções biológicas como a digestão.

Sua produção é modulada pela nossa exposição à luz. Ou seja: durante o dia, com a luz do sol abundante, a melatonina não é produzida, sinalizando ao organismo que devemos estar ativos. No início da noite, com o fim da luz, a substância começa a ser secretada, indicando ao corpo que é hora de reduzir o ritmo para dormir.

A vida moderna, no entanto, atrapalhou esse equilíbrio, já que a luz emitida por aparelhos como computador, televisão, smartphones pode atrasar a liberação do hormônio, atrapalhando o ritmo de funcionamento natural do corpo e provocando problemas para dormir.

Pílula para dormir

Pílulas de melatonina, medicação conhecida como "hormônio do sono"Foto: Shutterstock

Por estar muito associada – de forma equivocada – à insônia, é comum que a melatonina seja procurada por quem esteja sofrendo para dormir durante a noite. Isso ficou mais fácil desde outubro de 2021, quando a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a comercialização de suplementos alimentares com até 0,21 mg de melatonina sem a necessidade de receita médica.

A mudança na legislação não foi bem recebida pelos especialistas, já que a ingestão de melatonina é recomendada apenas em casos específicos. “Ela não funciona para quem sofre de insônia, por exemplo, ou quem tem problemas de saúde que interferem na qualidade do sono, como a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono”, alerta Eckeli.

No caso da insônia, que é a dificuldade de entrar em sono profundo ou de manter o sono, a grande maioria dos casos é tratada com terapia cognitivo-comportamental, além de mudanças no estilo de vida e nos hábitos na hora de dormir. Já a apneia deve ser avaliada por um especialista em medicina do sono, pois as causas para o problema são variadas – e incluem obesidade, fumo e até o formato da mandíbula – e o tratamento costuma ser multidisciplinar.

Para quem a melatonina é indicada?

De acordo com José Cipolla Neto, médico e professor titular de Fisiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo), a suplementação é indicada quando há uma redução ou inexistência da produção de melatonina pelo organismo – uma condição chamada de hipomelatoninemia.

Isso pode acontecer por causas primárias (quando a glândula pineal não funciona bem, seja por um defeito congênito ou mau funcionamento provocado por doença); ou causas secundárias, quando a falta do hormônio é provocada por comorbidades pré-existentes como diabetes, doenças neurodegenerativas (como Parkinson e Alzheimer), autismo e até o processo de envelhecimento natural do corpo.

A melatonina também pode ser utilizada para auxiliar no tratamento de quem sofre com o transtorno do ritmo circadiano, um problema que provoca um desequilíbrio no ritmo de sono-vigília e acaba causando sonolência excessiva durante o dia e insônia durante a noite.

Há, ainda, uma recomendação de uso para quem sofre com “jet lag”, uma perturbação do ritmo circadiano provocada em viagens com uma diferença muito grande de fusos horários.

Neto, que é um dos principais pesquisadores da melatonina no Brasil, reforça, no entanto, que o uso da melatonina não deveria ser livre e deveria ser feito apenas sob orientação médica. “Sendo um hormônio, ela mexe com quase todas as funções do nosso corpo e, por isso, não pode ser usada indiscriminadamente”, afirma.

Quais os riscos da automedicação?

De maneira geral, a melatonina costuma ter poucos efeitos colaterais – o que não significa que eles não existam. Sonolência excessiva durante o dia, dor de cabeça, tontura e náuseas são alguns deles.

Mas os problemas da automedicação não terminam aí. A melatonina, quando associada a outros remédios, pode ter efeitos adversos relevantes. Um estudo associou o uso do hormônio combinado ao zolpidem (um hipnótico utilizado para o tratamento da insônia) a  uma piora na memória e na força muscular.

Já outra pesquisa mostrou que o uso da melatonina reduz a coagulação sanguínea – o que pode aumentar o risco de hemorragias em quem já faz uso de substâncias anticoagulantes para tratamento de doenças cardiovasculares.

Há ainda outra questão: a facilidade em adquirir a melatonina pode atrasar diagnósticos de problemas de saúde que provocam dificuldades para dormir. Para se ter uma ideia, existem cerca de 50 doenças catalogadas na Classificação Internacional de Distúrbios do Sono. Entre elas estão a insônia e a apneia, problemas para os quais a melatonina não é recomendada no tratamento.

“Ninguém toma hormônio para a tireoide sem orientação médica”, compara Eckeli. “Por que, então, faríamos isso com um hormônio indicado para regular o nosso sono”, questiona.

O que a Anvisa diz?

Em resposta a nosso questionamento, a Anvisa enviou a nota publicada à época da liberação da melatonina como suplemento alimentar. Nela, o órgão afirma que a substância deve ser destinada “exclusivamente a pessoas com idade igual ou maior que 19 anos e para o consumo diário máximo de 0,21 mg”.

A nota afirma ainda que “a substância em questão já é utilizada em diversos países como suplemento alimentar e como medicamento, com condições de uso variadas. Devido ao interesse dos consumidores e do setor produtivo no acesso e na oferta de produtos contendo essa substância, a Anvisa, proativamente, avaliou a segurança e a eficácia do constituinte”.

Não há, no entanto, qualquer indicativo de como isso será supervisionado ou se existe alguma vigilância sobre a forma de uso ou a qualidade da substância utilizada nos suplementos.

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